terça-feira, 25 de setembro de 2012

Direito Penal do Inimigo no Facebook

O Facebook é um instrumento maravilhoso. O poder que possui a mobilização pelas redes sociais já foi testado e provado em diversas ocasiões.

Existe uma menina de 12 anos que denuncia as más condições em sua escola e, após grande repercussão na rede, conseguiu uma série de investimentos em sua unidade escolar. Uma"repórter" que humilhou um acusado perdeu o emprego. No Rio Grande do Norte, estudantes se organizaram nas redes sociais em dois movimentos que deram o que falar, o #ForaMicarla e a #RevoltadoBusão, para expressar sua insatisfação com a atual Prefeita do Natal e contra o aumento do preço da passagem (que baixou após o movimento). Até a derrubada de regimes ditatoriais é atribuída em parte à mobilização virtual (será?).

No entanto, no Facebook também tem muito lixo. Frases aleatórias atribuídas a pessoas famosas (a preferida é Clarice Lispector). Fotos de pessoas que na verdade não estão desaparecidas. Correntes ameaçando o pobre usuário de toda sorte de maldição caso não compartilhe o status. Textos e informações incorretas postadas de forma irresponsável ou mesmo intencionalmente maliciosa.

Hoje visualizei no status de um amigo um texto atribuído a um Promotor de Justiça. Procurei na rede e não encontrei a publicação em um site sério. Não tenho como dizer se o profissional citado é ou não o verdadeiro autor do texto. Em todo caso, a mensagem está lá fora, na rede, e merece uma resposta. Assim, omitindo a autoria por incerta, tomei para mim a missão de responder.

Imitando o polêmico Reinaldo Azevedo, abaixo, o texto em vermelho é o atribuído ao promotor. Em azul, minhas breves considerações.


Está certo isso? Brasil dos criminosos?

Você sabia que a Constituição Federal estabelece o trabalho obrigatório para maiores de 18 anos (art. 143), por meio do ‘serviço militar obrigatório’ e, no entanto, alguém que mata, rouba, estupra, não pode ser obrigado a prestar serviços à população (poderia arrumar estradas, consertar escolas, auxiliar hospitais, etc), conforme art. 5o, XLVII, ‘c’? Está certo isso?

Na verdade, o que a Constituição proíbe é o trabalho escravo. Tanto o serviço militar como o trabalho do preso são obrigatórios (art. 39, V, LEP), mas devem ser remunerados. A diferença é que o preso não possui todos os direitos trabalhistas (art. 28, § 2º, LEP). Além disso, parte de sua remuneração (que não pode ser menor que 3/4 de um salário mínimo - art. 29, caput, LEP) fica com o Estado para custear parcialmente suas despesas, parte vai para sua família e parte para a vítima (art. 29, § 1º, LEP).
O Estado é que não fornece condições de trabalho ao preso. Para evitar o óscio e ser beneficiado com a remissão, a grande maioria pede para trabalhar. Mas o Estado não dá trabalho ao preso.

Você sabia que essa estória de ‘ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo’, tão falada no Brasil, não está escrita na Constituição nem em lei alguma, sendo invenção (interpretação?) de juristas e tribunais, para desobrigar criminosos ? Está certo isso?

O acusado pode fazer prova contra si mesmo. Ele não pode é ser obrigado. O acusado não pode ser torturado para confessar, por exemplo. Acho que a crítica aqui era direcionada ao Supremo Tribunal Federal, que entende que o acusado (na verdade, ninguém) não pode obrigado a soprar um bafômetro ou a se submeter a um exame de DNA, por exemplo. Em alguns países esta intervenção forçosa é possível com ordem judicial. No entanto, no Brasil, o STF mantém o entendimento pela sua impossibilidade.
É a (má) herança de nosso ensino extremamente positivista que estimula o desejo de que todo esteja escrito. O positivismo caiu em desgraça quando a comunidade jurídica percebeu que o holocauto estava de acordo com as leis alemãs. Daí passou-se a dar cada vez mais importância aos princípios. Quem quer que todo esteja escrito e teme a interpretação pratica um direito atrasado mais de 60 anos.

Você sabia que no Brasil o criminoso ‘tem direito a mentir’, já que se disser um monte de mentira e inverdades, uma vez descoberto, não haverá alteração em sua pena, enquanto em muitos países se o criminoso mentir responderá por essa mentira, claramente por tumultuar a busca da verdade? Está certo isso?

Se está certo? Beccaria respondeu essa pergunta em 1764: "Outra contradição entre as leis e os sentimentos naturais é exigir de um acusado o juramento de dizer a verdade, quando ele tem o maior interesse em calá-la. Como se o homem pudesse jurar de boa fé que vai contribuir para sua própria destruição! Como se, o mais das vezes, a voz do interesse não abafasse no coração humano a da religião!" e "E, se um interrogatório especial é contrário à natureza, obrigando o acusado a acusar-se a si mesmo, não será ele constrangido a isso mais violentamente pelos tormentos e as convulsões da dor? Os homens, porém, se ocupam muito mais, em sua norma de conduta, com a diferença das palavras do que com a das coisas." (Dos Delitos e Das Penas).

Você sabia que a Constituição Federal estabelece sim a pena de morte (CF, art. 5a, XLVII, ‘a’), para casos de ‘guerra declarada’, e, no entanto, contra essa ‘guerra’ contra a traficantes, crime organizado e corruptos, não podemos coloca-los sequer em prisão perpétua? Está certo isso?
Não apenas a Constituição Federal, mas o tratados internacionais que o Brasil assina repudiam a idéia de qualquer pena ad aeternum. Trata-se do reconhecimento da falibilidade do Estado. O Estado erra ao condenar muito mais que se pensa. Embora possamos concordar que alguns crimes mereceriam uma pena assim, engana-se quem acha que as condenações criminais são baseadas em uma certeza inabalável de que aquele crime foi cometido por aquela pessoa. Muitos são condenados por homicídio, por exemplo, por conta meramente de um boato que corre na rua, sem prova material ou testemunhal direta (meu júri mais recente foi assim - condenação por 4x3 que se encontra sob análise do STJ no momento). Ao se admitir a pena perpétua, estaríamos admitindo que (em muitos casos) pessoas inocentes passassem o resto da vida presas por algo que não fizeram.

Você sabia que juristas e tribunais brasileiros têm comparado nossas leis com as leis de outros países para favorecer criminosos, e que somente no Brasil alguém é condenado pelo Júri Popular por homicídio e continua solto, enquanto não acabarem os recursos? Está certo isso?
Na verdade, enquanto não condenado definitivamente, toda prisão é precária. A prisão preventiva é possível em qualquer fase processual, inclusive após a condenação pelo Tribunal do Júri. Mas deve o caso se enquadrar em alguma das hipóteses legais de preventiva. O problema é que um julgamento por homicídio, por vezes, pode demorar muitos anos e o acusado acaba solto por excesso de prazo.
 

Você sabia que há quinze anos, quem assassinava uma pessoa, além de receber penas muitas vezes maiores a 20 anos, deveria cumprir a pena toda em regime fechado (preso) e, hoje, em razão de entendimentos do Supremo Tribunal Federal, raramente um assassino recebe pena alta e, ainda, cumpre somente uma pequena parte da pena para ser colocado em liberdade? Está certo isso?
O Código Penal é de 1940. A pena pelo homicídio simples vai de 6 a 20 anos e pelo qualificado de 12 a 30 anos. Não se trata de entendimento do STF. É a pena prevista na lei. Há bem mais que 15 anos.
A Lei de Execuções Penais é de 1984 e lá consta a progressão da pena. Existe muita desinformação sobre o tema. O acusado com bom comportamento, após certo tempo (1/6 para crimes comuns e 2/5 para hediondos), tem direito a um abrandamento de seu regime, justamente para se sentir se ele pode ser reintegrado à Sociedade. Primeiro lhe é permitido trabalho externo, depois saídas temporárias e, por fim, deve se recolher apenas no período noturno. Qualquer falta grave acarreta a regressão do regime e é comum que alguns acabem cumprindo toda a pena no regime fechado.

Não sei de onde se tira que estas penas são pequenas. Ainda mais com a verdadeira tortura que é infligida em nossas masmorras públicas.

Você sabia que um brasileiro, que trabalha diariamente e obedece as leis e regras de convivência, recebe um salario mínimo no valor de R$ 622,00 (seiscentos e vinte e dois reais) para manter toda sua família (CF, art. 7o, IV), enquanto um criminoso, que roubou, matou, estuprou, etc, possui direito a ‘auxílio reclusão’ no valor de R$ 915,05 (novecentos e quinze reais e cinco centavos) vide: http://www.previdencia.gov.br/conteudoDinamico.php?id=22 ? Está certo isso?

Só tem direito ao auxílio reclusão o condenado que era segurado, ou seja, que pagava o INSS regularmente no momento em que foi preso. Não é preciso dizer que se trata de hipótese rara dentro da regra de miserabilidade e exclusão social das pessoas que são condenadas por crimes. Além disso, não se trata de assistência social, mas previdência. É seguro, não é benesse. É uma contraprestação devida pelo INSS a que todo trabalhador que se veja preso. E mais: é destinado à sua família, não ao preso.

Pois é! Lembre-se que os poderes públicos e suas medidas e decisões devem (ou deveriam!) servir à população e pessoas de bem. Eis apenas alguns alertas.
Esta distinção entre "pessoas de bem" e "pessoas do mal" é o típico Direito Penal do Inimigo, fundamento teórico que alguns usam para justificar perfis étnicos, perseguições religiosas e até torturas. Os poderes públicos existem para olhar pelos direitos de todos os cidadãos. De outra forma, retornamos à babárie.

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domingo, 16 de setembro de 2012

Amigo em pé (primo pobre)


Em programas humorísticos da década de 1980, Paulo Gracindo e Brandão Filho consagraram o quadro “primo rico e primo pobre”, que visava a um só tempo fazer rir e criticar a gritante desigualdade social brasileira. Atualmente o quadro foi reconfigurado, trazendo Fernando Ceylão e Aramis Trindade em um metrô como “amigo sentado e amigo em pé”.

A realidade de penúria e falta de investimentos na Defensoria Pública, principalmente quando comparada com o Poder Judiciário e do Ministério Público, fizeram com que o órgão fosse conhecido como o “primo pobre” do aparelho Judiciário. Ou, modernizando a expressão, o Defensor Público seria o “amigo em pé”.

O magistrado “diz a lei”. O Ministério Público fala pela sociedade. O Defensor Público é a voz dos excluídos. Juntamente com a advocacia (pública e privada) estas nobres funções são consideradas pela Constituição Federal como essenciais à função jurisdicional do Estado. Em outras palavras: o Estado que falha em investir nestas instituições, fracassa na missão de distribuir Justiça.

Porém, diante do escândalo dos números que a seguir serão expostos, não há como se escapar da conclusão de que a Defensoria Pública e seu público alvo (a população carente) encontram-se cada vez mais distantes dos corações e mentes de nossos governantes.

O Estado do Rio Grande do Norte possui 166 Municípios organizados em 65 Comarcas. Para atender a demanda de 3.168.133 habitantes a legislação estadual prevê 315 cargos de Magistrados, 249 de membros do Ministério Público e apenas 102 de Defensores Públicos.

Todos os cargos de membros do Ministério Público encontram-se ocupados e ainda existem aprovados na última seleção aguardando o surgimento de vagas. Na Defensoria Pública, apenas 40 cargos estão preenchidos e não há orçamento para a realização de concurso público.

A Defensoria Pública encontra-se precariamente instalada em apenas oito comarcas: Natal, Parnamirim, Ceará-Mirim, Nova Cruz, Assú, Caicó, Mossoró e Pau dos Ferros. Não existe Defensoria Pública em 87,69% das Comarcas do Estado. Ao não investir em Defensoria Pública, o Governo nega assistência jurídica integral e gratuita de qualidade aos cidadãos necessitados de 142 Municípios.

O Ministério Público encontra-se instalado em 100% das comarcas, quase sempre com sede própria, amplo quadro de funcionários concursados e assistentes ministeriais. Para auxiliar os Defensores Públicos, existem cerca de 30 funcionários cedidos por outros órgãos e o mesmo número de estagiários.

Para se ter uma ideia mais clara da gritante desproporção, nas oito comarcas em que a Defensoria Pública está instalada, atuam 40 Defensores e 142 membros do Ministério Público (121 Promotores e 21 Procuradores de Justiça).

Entre inúmeras outras coisas, pode-se destacar que a insuficiência de Defensores Públicos é uma das causas do atual caos no Sistema Penitenciário. Por outro lado, iniciativas como o SUS Mediado, criado por uma Defensora Pública, tem o potencial de minimizar a calamidade pública em que se transformou a saúde.

Poder-se-ia imaginar que a situação de colapso iminente levaria o Governo do Estado a ampliar o investimento em Defensoria Pública como forma de reverter ou pelo menos minimizar a enorme disparidade. Mas não. Ao contrário. Investe-se cada vez menos no “amigo em pé”.

Em 2011, a Lei Orçamentária Anual previa R$ 517,236 milhões para o Tribunal de Justiça, R$ 197,462 milhões para o Ministério Público e R$ 13,588 milhões para a Defensoria Pública. Isto quer dizer que, para cada R$ 100,00 gastos com o aparelho judiciário, R$ 71,41 ficaram com o Tribunal de Justiça, R$ 26,75 com o Ministério Público e apenas R$ 1,84 com a Defensoria.

Em 2012, o orçamento do Tribunal de Justiça foi ampliado para R$ 741,9 milhões (+ R$ 224,664 milhões ou 43,44%), enquanto o Ministério Público ficou com R$ 232,3 milhões (+ R$ 34,838 milhões ou 17,64%). De forma nunca vista em todo o território nacional, a Defensoria Pública experimentou um decréscimo orçamentário, ficando com apenas R$ 10,5 milhões (- 22,14% do total). Assim, para cada R$ 100,00 gastos com o aparelho judiciário, R$ 75,34 ficaram com o Tribunal de Justiça, R$ 23,59 com o Ministério Público e apenas R$ 1,07 com a Defensoria. Não dá para comprar nem um cafezinho!

Segundo recente reportagem, para 2013, o Tribunal de Justiça deseja um orçamento R$ 145,6 milhões maior. O Governo admite aumentar cerca de R$ 70 milhões. O Ministério Público pleiteia mais R$ 34,7 milhões. O Governo aceita ampliar os recursos do órgão em cerca de R$ 20 milhões. Para a Defensoria, que queria R$ 10,3 milhões a mais (um orçamento total de R$ 20,8 milhões), o Governo acena com apenas mais R$ 2 milhões. Ou seja, a prevalecer a vontade do Governo, em 2013, o orçamento do Ministério Público vai crescer pelo menos algo parecido com o total de recursos de duas Defensorias, enquanto o Tribunal de Justiça vai ser turbinado com o que poderia sustentar quase sete Defensorias.

Mais uma vez é importante salientar que não se esta aqui a defender que o Ministério Público e o Tribunal de Justiça tenham seus pleitos rejeitados. Ao contrário. O cidadão sempre precisa de mais Justiça.

Todavia, não é admissível, que o Estado do Rio Grande do Norte invista na Defensoria Pública menos do que investiu, por exemplo, em propaganda no ano de 2011 (segundo recente relatório do Tribunal de Contas, cerca de R$ 16 milhões).

O que se espera é que a sofrida população carente do Rio Grande do Norte tenha direito à assistência jurídica integral e gratuita de qualidade. O que se deseja é que o Governo do Estado finalmente abra os olhos para os excluídos e passe a trabalhar para reduzir a discrepância histórica entre os órgãos integrantes do aparelho de Justiça.

Já chegou a hora do “primo pobre” ter direito a ter direitos. É tempo de o Estado do Rio Grande do Norte garantir dignidade ao “amigo em pé”.

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Situação continua precária

Ressuscitando o blog, observo que a situação da Defensoria Pública do RN continua precária e tende a piorar. Em breve, dados assustadores.

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