quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Diário de Natal em 30/09/2010: "Justiça versus pobres"

Paulo Maycon, Defensor Público


Imagina-se que todos são tratados como iguais perante à Justiça Criminal. Não, isso não é verdade. Depende, sobretudo, do seu poder econômico ou da sua posição social. Se pelo mérito ou pela sorte o processado tem um trabalho renomado e remunerado condignamente, será tratado muito bem, com suas garantias constitucionais respeitadas e asseguradas. Porém, na ausência de oportunidade ou pouca sorte na vida, tornou-se um miserável, o tratamento será outro.

Poderá, por exemplo, ser preso sem motivo para responder por um crime que não cometeu só para "mostrar" à sociedade que existe segurança pública. Aguardará seu julgamento, sem um mínimo de dignidade, mormente sem assistência de um Advogado ou Defensor. É que, no Brasil, você pode ser preso e interrogado em uma delegacia, sem a necessária presença de um Advogado ou Defensor, podendo ser torturado para assumir o crime, sem ninguém saber disso. E isso servir mais tarde de prova para sua condenação. Pois, perante à Justiça, nada adiantará dizer que sofreu tortura, porque sem "exame de corpo de delito" ninguém, absolutamente ninguém, acreditará em suas palavras. Se os seus parentes conseguirem, a duras penas, constituir um Advogado, mas o mesmo não comparecer às audiências criminais, o Juiz nomeará um Advogado Dativo (somente para o ato). Alguém que esteja naquele momento passando pelo corredor do Fórum, sem saber absolutamente nada sobre o seu caso, para o "defender" naquela audiência.

E agora, passadas as fases do processo, enquanto a acusação requereu a produção de diversas provas periciais, não haverá uma única prova produzida pela defesa, pois não houve pedido nesse sentido. É que a obrigação da participação da defesa, subsiste quando da realização das audiências e na apresentação formal das defesas escritas, de maneira a evitar a anulação do processo. Pouco importa se houve efetiva defesa do acusado.

Mais à frente, haverá um momento no processo, oportuno para indicar as testemunhas que estarão ao seu favor no dia do julgamento perante o Júri Popular. Porém, não haverá nenhuma testemunha que possa prestar um depoimento sequer ao seu favor, pois sua instantânea defesa nunca as indicou ao Juiz, ao passo que o promotor solicitou a oitiva de mais de quinze testemunhas de acusação durante todo o processo. Assim, não aparecerá ninguém no dia do seu julgamento para dizer algo em sua defesa. E a sentença, praticamente anunciada: condenado pela prática de um homicídio que nunca cometeu.

Equidade, eis a essência da Justiça. Essa, simbolizada por meio de uma estátua carregando consigo uma balança e uma espada. A força da Justiça está representada na espada, todavia essa não convive sem o equilíbrio traduzido na balança. Há séculos, essa balança ignora o pobre em nosso País. Mas, não é culpa do Judiciário. É da mentalidade de todos os protagonistas do sistema, tanto da Justiça, quanto da Segurança Pública.

Precisa-se compreender que as pessoas, malgrado nos sejam desconhecidas e pobres, são nossos co-cidadãos, brasileiros de uma mesma pátria, merecedores de todo respeito a sua dignidade. Pra dizer a verdade, somos iguais enquanto seres humanos, não somos melhores do que ninguém. É um erro de vida, palestrou Pablo Stolze, acreditar que somos promotores, delegados, policiais, juízes; pois, a bem da verdade, estamos nestas funções num curtíssimo espaço de tempo, perante a eternidade que nos cerca e como espíritos imortais que somos.

Justiça aos pobres? Sim, quando houver uma mudança de mentalidade do homem em relação ao próximo. E para defender os direitos humanos, só uma Instituição vocacionada a tanto, não ao órgão que tenha por dever constitucional investigar e promover as acusações, pois não convém acusar e defender ao mesmo tempo. Cabe à Defensoria Pública defender os direitos humanos do povo brasileiro, razão pela qual depende de mais recursos, pois enquanto permanecer com pequeno orçamento comparado aos do Ministério Público, do Judiciário e da Polícia, não poderá muito fazer.

Fonte: Diário de Natal.

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