sábado, 22 de fevereiro de 2014

O ladismo como partido

A cada dia que passa, a sociedade brasileira está mais polarizada. Não existe meio termo. No Facebook, no Twitter, nas salas de aula, na mesa de bar ou de jantar, temos tido cada vez menos paciência com a opinião do outro.

Tenho amigos de "esquerda" e de "direita" (se é que isso ainda existe). Estabelecido quem está de que lado, havendo um encontro de amigos de ambos os lados, é fácil adivinhar como a conversa vai se desenrolar.

Basta ver as notícias na imprensa de direita ou conservadora sobre as manifestações da Venezuela. Lá, as manifestações são a resposta de um povo oprimido por uma ditadura velada. Toda violência é culpa do Governo antidemocrático e a Polícia é a expressão da repressão. Não importa se esta simplificação é ridícula, nem se a cobertura escancara uma patética contradição com o noticiário sobre as manifestações aqui no Brasil. Aqui, inicialmente, as manifestações eram a revolta de um bando de desocupados, por uma ninharia (vinte centavos), e que demonstravam a desconsideração "desse povo da esquerda" com o direito de ir e vir do "cidadão de bem" que precisa ir trabalhar e produzir. Depois da divulgação de diversas imagens de violência policial gratuita, inclusive contra jornalistas, a grande imprensa passou a ver as manifestações como uma manifestação legítima da liberdade de expressão, contando com a participação de uma maioria pacífica, mas que era prejudicada por uma minoria de "baderneiros". Mas o noticiário focava 90% das imagens e notícias na ação dos ditos baderneiros. Após o surgimento dos black blocs e da morte do cinegrafista Salvador, a direita só fala em terrorismo.

Do outro lado, a imprensa de esquerda tem a certeza que a Venezuela tem um Governo justo e democrático, mas sua atuação em prol dos pobre irritou as elites e elas planejam um golpe. Os EUA, interessados no petróleo venezuelano, está por trás de tudo, financiando as manifestações golpistas. A Polícia apenas resiste à violência dos golpistas. Trata-se também de uma simplificação, pois basta ver como foram apertadas as últimas eleições venezuelanas para perceber que se trata de uma sociedade dividida. Existe insatisfação de parte da população com algumas medidas do Governo, consideradas realmente no sentido contrário do desenvolvimento democrático. Por aqui, as manifestações são orquestradas por golpistas, estimuladas pela imprensa e financiadas por inimigos do Governo e (haja dinheiro) pelos EUA. Mais uma vez, trata-se de uma simplificação. As manifestações começaram por conta do aumento das passagens de ônibus em algumas capitais. Normalmente, elas foram organizadas por partidos de ultraesquerda e por sindicados e entidades estudantis. Depois da divulgação da violência policial despropositada, principalmente pelas redes sociais, as manifestações foram vitaminadas, com pico no meio do ano passado, pois várias pessoas saíram às ruas em solidariedade aos agredidos injustamente. Naquele momento, as manifestações eram mais pela liberdade de expressão e manifestação que por uma pauta específica. A maioria protestava contra a péssima qualidade dos serviços públicos. Para enfrentar a violência policial sem serem identificados, surgiram os primeiros mascarados. Depois, parte desses mascarados aderiu à estratégia black bloc que busca chamar a atenção da imprensa provocando danos ao patrimônio privado, principalmente grandes redes de fast foods e bancos. Durante todo este tempo houve excessos da polícia e de manifestantes, mas a análise das manifestações passou a se reduzir a isso.

Estou cada vez com mais preguiça com tanta contradição e tanto ladismo.

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