sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Finalmente, a liberação do Irmão Márcio

Para quem, como eu, se emocionou com a história do Irmão Márcio (clique aqui), informo que, finalmente, ele acaba de ser liberado. A decisão liminar proferida em 21/12/2011 foi cumprida após diversos percalços narrados nas atualizações do post referido.

Irmão Márcio passara a noite de reveilón com a família, os amigos e, mais importante, com sua descendência ainda por vir.

Para os amigos do Defensor Potiguar, desejo um 2012 de renovação e reinvenção, como se renovou e se reinventou o Irmão Márcio. Com uma notória exceção, ninguém é uma obra perfeita e acabada.

Desejo que em 2012 as pessoas finalmente entendam que pessoas como o Irmão Mácio precisam da Defensoria para que seus direitos sejam respeitados. E uma Defensoria forte e atuante, com estrutura e dimensão dignas. Negar crescimento a tão importante instituição é negar cidadania à maior parte da população.

Desejo felicidade e realização. Desejo saúde acima de tudo. Desejo muito Deus no coração.

Um abraço carinhoso.

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quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Discurso de Formando em Direito da UFSC


Muito bom o discurso do formando em Direito na UFSC, Rodrigo Zimmermman, aparentemente proferido em 2008. Fiquei curioso em saber por onde anda este excelente orador.

Interessante notar que Santa Catarina é um Estado que vergonhosamente se recusa a cumprir a Cosntituição Federal e criar sua Defensoria Pública.

Mas vamos ao belo discurso de Rodrigo:




Ilustre Senhor Representante do Magnifico Senhor Reitor, Ilustre Senhora Diretora do Centro de Ciências Juridicas, Demais autoridades presentes, Senhoras e Senhores.

Meus queridos amigos, nem que eu tivesse vários dias nessa tribuna poderia dizer o que vocês merecem ouvir. Eu queria poder falar de cada um de vocês, mas eu só tenho cinco minutos para falar de nossos cinco anos. É muito pouco tempo mas eu prometo que vou tentar. 

Cá chegamos muito jovens... ingênuos... irresponsáveis... mergulhados no mais impressionante desvaneio da inocência. Proveniente dos aconchegantes lares de nossos queridos pais, estes que nos vêm com os olhos araguados, eis chegou o momento por eles tanto aguardado. O dia em que nós, seus filhos, começamos a caminhar com as nossas próprias pernas, carregando os nossos fardos com as nossas próprias mãos, esbravejando todo amor com as nossas próprias vozes.
 
Meus queridos, amizades construímos, bem querer nós repartimos. E com que mais nos deparamos nesses nossos cinco anos? Com isto: uma vocação. Mais do que isso. Uma missão. A mais nobre de todas, fazer Justiça. E que diabos é isto?
 
Certamente meus queridos, não é ser um juiz leiloeiros de destinos, que anos leve quando não se negue o remédio para o doente, liberdade ao inocente ou só um rumo ao pobre errante. Não é ser um promotor e denunciar pessoas a esmo, postar o dedo em riste, apaixonar-se pela ira e promover somente a cólera. Tampouco é ser advogado embusteiro do juízo, defensor do prejuízo, que no papel escreva 20 e do coitado leve 50.
 
Não meus queridos, Justiça nós faremos quando dissermos a verdade, calarmos a mentira e findarmos todo abuso. Justiça nós faremos quando em frente à corrupção formos além da indginação e exigirmos condenação. Justiça nós faremos quando as mãos dermos aos pobros pra acabar com a tirania e desinfetar nossa República de toda esta anarquia. Justiça nós faremos quando abraçarmos a tolerância e negarmos a ignorância, quando beijarmos sem vergonha e batermos com pudor, sentindo toda dor. Justiça nós faremos, meus queridos, quandos olhos dermos aos cegos, aos surdos ouvidos e aos mudos nossas bocas... E ao órfão uma mãe, um lar ao destelhado, um sorriso ao desgraçado, alfabeto ao iletrado, alegria ao infeliz, esperança aos muitos honestos nesta terra de homens vis. 
 
E no cumprimento desta nossa missão, meus queridos, é-nos vedado a deserção, é-nos vedado o fracasso e só nos resta a vitória. Meus queridos, o mundo nos cobrará por hoje aqui estarmos. Saimos de uma universidade ainda pública, sustentada pela sociedade miserável deste país. Assumimos hoje o dever de nos unirmos aos homems probos para com eles limparmos toda pestinência que recalcitra ao intectar esta malcinada República.
 
E prá terminar, meus queridos, eu vou fazer um pedido a vocês. Não abandonemos a ingenuidade, não abandonemos o sono impúbero. Meus queridos, quando olharmos ao espelho, vejamo-nos criança, lembremo-nos pequenos, quando tudo era grande.
 
E... eu sei que amanhã nós não teremos mais uns aos outros... mas isto não importa, porque o que importa é que nós levaremos estes 5 anos aqui dentro, meus queridos, em nossos corações, para que jamais nos esqueçamos do nosso mais importante dever nesta vida: sermos felizes.
 
Vivamos cada dia de um tal modo, meus queridos, que possamos daqui a muitos e muitos anos, quando chegarmos ao final desta longíqua jornada que se chama vida, olhar pra trás e poder dizer: Puxa! E não é que tudo valeu a pena!
 
Bom, senhoras e senhores, perdoem todo disparate, mas nessa noite é só o que tenho a dizer. Muito obrigado!

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quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

TV (IN) Justiça II

Entrevista veiculada hoje e concedida pela Defensora Pública responsável pela 2ª Vara Criminal de Natal (Tribunal do Júri), Ana Lucia Raymundo.


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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Como conheci o Irmão Márcio

O texto abaixo é a primeira parte de um Habeas Corpus com o qual ingressei hoje, a última peça de meu segundo dia de plantão. Uma história interessante que me fez refletir muito. O Irmão Márcio estará em minhas orações hoje.



Deixando a boa técnica de lado, para ser mais fiel ao que sinto e dar à pena mais coração, é em primeira pessoa que relato como conheci Márcio Daniel de Souza Bezerra.

Peço também licença aos mais formalistas para não utilizar, pelo menos neste capítulo, termos como “acusado”, “apenado”, “reeducando”, “paciente” ou coisa que o valha. Chamo Márcio Daniel pelo seu nome ou pela forma como o chamam as pessoas próximas: Irmão Márcio.

Estava eu na sala da Defensoria Pública no Fórum Varella Barca, na Zona Norte de Natal/RN. Era quarta-feira dia 14/12/2011, um dos últimos dias antes do início do recesso forense. Uma pilha enorme de processos exigia minha atenção. Meus três colegas da Zona Norte estavam de férias ou de licença. O relógio corria inclemente e até o almoço havia sido dispensado para tentar conseguir dar conta de tudo o que tinha que fazer.

Eis que entra na sala Márcio Daniel. Um rapaz bem-apessoado, de fala mansa e postura tranquila, um pouco tímido, mas com um brilho diferente no olhar. Percebi que Márcio Daniel usava a camisa de botões ensacada e quase completamente abotoada, inclusive os punhos. Nas mãos ele trazia uma bíblia. Na cabeça ele trazia dúvidas. No coração convicção.

“Olá, eu sou Márcio. Aqui é a Defensoria Pública? O Doutor pode me ajudar?”

Apresentei-me, pedi que sentasse e que me contasse sua história.

Márcio me explicou que, há alguns anos, envolveu-se com péssimas amizades e ingressou no inclemente e devastador mundo das drogas. Disse-me que, como um “favor” ao seu fornecedor de drogas, permitiu que ele guardasse alguns bens em sua casa. Observe-se que “favor” não é exatamente o termo correto, já que a negativa seria um risco à integridade física de Márcio. Ele me explicou que, algum tempo depois, a polícia bateu à sua porta e lhe informou que aqueles bens eram roubados. Com medo de morrer, Márcio assumiu, na Delegacia, o roubo que não cometera.

Márcio me contou que, após “conseguir seu alvará”, mudou-se para outro Estado, abandonou as drogas, fez um curso e passou a ser garçom. Mais importante, Márcio se converteu e passou a ser conhecido como Irmão Márcio.

Há alguns meses, a esposa de Márcio teve um acidente e ele voltou a morar em Natal/RN. Fez novas e melhores amizades, passou a frequentar uma igreja local, contou sua história ao pastor. Todos apostaram na mudança do agora Irmão Márcio. Ele agora possui carteira de trabalho assinada. E, mais importante que tudo, Márcio vai ser pai. Sua esposa está grávida de cinco meses.

No dia anterior, Márcio havia sido procurado por um oficial de justiça e informado que deveria comparecer na Secretaria da 4ª Vara Criminal da Zona Norte, “para se defender”. Ele disse que, embora com medo de morrer, queria agora contar a verdade.

Ouvi toda aquela história com alguma incredulidade e um pouco ansioso para voltar ao trabalho. Mas dei a Márcio a atenção que acredito ser meu dever em virtude de minha função. Expliquei que ele precisaria de testemunhas para provar tudo que me disse e que, em todo caso, ele ainda estava admitindo um crime – receptação, embora menos grave que o roubo.

Resolvi pesquisar o processo de Márcio no e-Saj. Praticamente não haviam documentos lançados no sistema, mas o processo constava como julgado! Encontrei uma certidão. Márcio havia sido condenado à revelia, a uma pena de seis anos, dois meses e sete dias. Não havia informação quanto ao regime.

Com certa dureza, informei a Márcio o que descobri. Disse, de forma contundente, que, se ele comparecesse no dia determinado, seria preso. Ele já fora condenado e da sentença já não mais cabia recurso. Observei que ele deveria vir munido de produtos de higiene básica e alimentação. Expliquei que, em algumas prisões, o Estado do Rio Grande do Norte sequer fornece papel higiênico aos presos.

Olhei o brilho em seus olhos se ofuscar por alguns segundos. Márcio olhou para baixo, apertou os lábios e parecia desnorteado. Seus olhos pareceram encontrar sua bíblia e, de alguma forma, aquele brilho subitamente voltou.

Márcio olhou para mim, sem chorar ou se lamentar e disse:

“Um homem que renasce em Cristo não pode dever nada. Amanhã estarei aqui. Vou pagar o que devo. Vou trazer tudo o que o senhor me recomendou. Vou trazer minha bíblia e vou fazer a obra do senhor aonde me mandarem!”

Não esperava aquela reação. Olhei para meus processos e olhei para aquela pessoa em minha frente. Quantos daqueles encontrariam a redenção como Márcio parecia ter conseguido? Poucos, certamente. Praticamente nenhum em virtude exclusivamente da pena, já que nossa execução penal é bárbara e cruel.

Márcio me pediu que explicasse a situação ao seu pastor. Ele mais ouviu que falou. Parecia mais perturbado que Márcio.

No dia seguinte, estava eu fazendo minhas audiências, absorto na defesa de outras pessoas, quando avisto Márcio do outro lado do Fórum, com a bíblia debaixo do braço, ladeado pelo pastor e pela esposa grávida. Ele sorriu e acenou para mim. Devolvi o cumprimento um tanto triste, mas impressionado com a convicção daquele rapaz.

Fui até a Secretaria da 4ª Vara e pedi para que fosse registrado em certidão que Márcio veio se entregar espontaneamente, já sabendo que estava condenado e cumpriria pena. Encontrei todos emocionados com o rapaz. Lá fiquei sabendo que ele havia sido condenado ao regime semi-aberto, o que lhe permitiria manter o emprego, continuar visitando a Igreja e acompanhar a evolução da gestação de sua filhinha.

Depois de minhas audiências, fui até a carceragem do fórum visitar Márcio e, antes mesmo de ver, ouvi sua voz. Ele conversava com dois presos que esperavam suas audiências. “Deus pode mudar suas vidas. Deem a Ele uma oportunidade”, dizia o Irmão Márcio.

A história de redenção e injustiça de Márcio, no entanto, não acabou ali.

No rio Grande do Norte, os condenados ao regime semi-aberto ficam presos, no regime fechado, até que o juiz da Execução Penal tenha tempo de o ouvir e encaminhá-lo ao regime correto. Em meio ao recesso forense, este encaminhamento deve ficar para o ano que vem e Márcio passará o período festivo encarcerado, longe da Igreja, da família, dos amigos e da filhinha por vir. Certamente perderá também o emprego.

É visando corrigir esta injustiça que decidi ingressar com o presente Habeas Corpus.



Para ler a íntegra do habeas corpus, clique aqui.



ATUALIZAÇÃO (15:10h):

O Habeas Corpus do Irmão Márcio foi distribuído para o Desembargador Amílcar Maia, o plantonista do dia. E ganhou o número 2011.017417-2.

O motorista que levou a petição ao Tribunal de Justiça, o amigo Gilmar Bezerra, evangélico como o Irmão Márcio, prometeu se juntar à corrente de orações.


ATUALIZAÇÃO (20:00h):

A liminar foi parcialmente deferida. A questão agora é ver o cumprimento em pleno recesso. Eis o que consta no site do TJRN:

Decisão do Relator - Deferindo a Liminar  
(...) À vista do exposto, defiro, em parte, a medida liminar apenas para determinar que a autoridade coatora diligencie, com a máxima urgência, de modo a assegurar ao paciente o direito de cumprir sua pena em regime semi-aberto, que lhe foi imposto na sentença condenatória, ou, não sendo possível, para permitir que aguarde o paciente o surgimento de vaga em regime aberto, ou, ainda, em prisão domiciliar, na hipótese de inexistência de vaga em casa de albergado, isto até que lhe seja assegurada vaga no estabelecimento prisional adequado ao cumprimento de sua pena. Oficie-se à autoridade impetrada para que faça cumprir a presente decisão e preste informações necessárias, no prazo de 05 dias. Após, remetam-se os autos a PGJ. Oportunamente, proceda a Secretaria deste TJRN à distribuição do feito entre os membros da Câmara Criminal. P. I. C. 

ATUALIZAÇÃO DE 28/12/2011:

Dia de peregrinação ontem.

Passei a manhã tentando entender porque a decisão do Desembargador ainda não tinha sido cumprida. Para tanto tive grande ajuda de Iana, do Pauta Zero, a servidora que estava no plantão em Natal/RN e que se dispôs a realizar diversos telefonemas e pesquisar o ocorrido. Chegamos à conclusão que a decisão tinha sido encaminhada por engano ao plantão de uma área diferente.

À tarde fui ao Tribunal de Justiça. Lá foram extremamente prestativos Pericles e Lucas, que imediatamente e sem burocratizar o problema, se dispuseram a encaminhar o ofício novamente. Tivemos uma certa dificuldade para compreender o trâmite durante o plantão, mas, após certo tempo, a decisão do Desembargador foi encaminhada ao Distribuidor Criminal. O cumprimento da decisão foi distribuída para o excelente juiz Rosivaldo Toscano que, ainda ontem, encaminhou a decisão ao Diretor do Raimundo Nonato, presídio onde o Irmão Márcio se encontra.

Aguardamos notícias sobre o cumprimento da decisão a qualquer momento.

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quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Prisão provisória e injustiças

Todos acompanharam a repercussão da prisão injusta de Maria Elayne (clique aqui) e conheceram as histórias de Eduardo (clique aqui) e Gewnivaldo (clique aqui). Estes são apenas três casos em que eu atuei nos últimos dias. Casos como estes são muito mais comuns que se pensa.

A Justiça erra porque é composta por seres humanos. Além disso, a falta de investimento e capacitação em determinados setores da persecução penal prenunciam a repetição de tragédias como as citadas.

Um fator que agrava os danos causados pelos erros da Justiça é o elevado número de prisões provisórias. É tristemente comum ver a Justiça absolver o cidadão acusado de um crime apenas depois de ele amargar longo tempo nas masmoras oficiais.

Vamos ilustrar a situação com dados do Infopen (clique aqui), sistema de informações penitenciárias do Ministério da Justiça.

Em dezembro de 2010, o RN tinha uma população carcerária de 6.123 pessoas. No sistema penitenciário, haviam 1.551 presos provisórios, enquanto que, nas delegacias, haviam mais 1.818. Assim, chegamos a um total de 3.369 presos provisórios. O CNJ aplica este dado à população carcerária para dizer que temos 55% de presos provisórios.

Ocorre que este raciocínio está equivocado. É que na população carcerária somam-se os números de pessoas em medida de segurança, regime aberto e semi-aberto.

Para se chegar à realidade temos que fazer uma relação entre as pessoas que estão cumprindo pena no regime fechado e os provisórios (que, afinal, ficam no regime fechado aguardando sentença).

O número de presos condenados no regime fechado, em dezembro de 2010, era de 1.451. Isto quer dizer que, na verdade, tinhámos, então, quase 69,89% de presos provisórios no sistema.

Em junho de 2011 foi publicado novo relatório do infopen.

A população carcerária passou para 6.677 pessoas (+ 9,04%). No sistema penitenciário, haviam 1.283 presos provisórios (-17,38%), enquanto que, nas delegacias, haviam mais 2.428 (+ 33,55%). Assim, chegamos a um total de 3.711 presos provisórios (+10,15%). Pela conta do CNJ, teríamos 55,57% de presos provisórios.

Mas, na realidade, haja vista que o número de pessoas cumprindo pena no regime fechado era, em junho, 1.903 (+ 31,15%), chegamos a um percentual de 66,10% de presos provisórios.

O expressivo aumento de presos condenados no regime fechado se deve a uma permanência maior com a progressão mais lenta dos crimes hediondos e à pressão do CNJ para acelerar os processos. E este aumento expressivo mascara o aumento do número de presos provisórios (+ 10,15%), baixando o percentual de 69,89% para 66,10%. No entanto, sejam estes percentuais, sejam os do CNJ (55% para dezembro de 2010 e 55,57% para junho de 2011), trata-se da mais retumbante comprovação de que a prisão provisória continua sendo a regra, quando deveria ser a exceção.

A persistir esta situação, as Marias Elaynes, Eduardos e Genivaldos continuarão assombrando cada cidadão com a possibilidade de ser ele também vítima de um erro judiciário.

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domingo, 11 de dezembro de 2011

DPE no POTI deste domingo

A reportagem abaixo foi veiculada na edição de hoje do jornal O POTI, a versão dominical do Diário de Natal.

Quando a Justiça fecha os olhos
Erros e falta de estrutura judiciária fazem crescer número de pessoas condenadas injustamente no Rio Grande do Norte

Uma cicatriz que nunca vai sarar. É dessa forma que Maria Elayne Soares Fonseca da Silva, 19 anos, considera os 149 dias em que ficou detida injustamente no Presídio de Parnamirim, por tráfico de drogas. Uma acusação mesmo que verídica por si só já prejudica a vida do suspeito em vários aspectos. Agora imagine ter a vida virada pelo avesso por uma denúncia infundada e com isso ter que se afastar de familiares, amigos, escola, emprego e ainda "provar" inocência à sociedade que "condena" esses supostos criminosos mesmo antes da sentença da Justiça.

Inocente: Maria Elayne, 19, ficou 149 dias presa na Penitenciária de Parnamirim Foto:Ana Amaral/DN/D.A Press

 Elayne conta que as imagens de sua prisão não saiam de sua cabeça durante o tempo em que ficou detida. Ela informou à reportagem de O Poti/Diário de Natal que estava dormindo na casa de uma tia quando ouviu o barulho da polícia e foi olhar a movimentação na rua. "Estava em frente a casa onde eles [policiais] encontraram a droga. Como a proprietária havia fugido me pegaram como se eu estivesse envolvida com o tráfico de droga", disse.

A mãe da jovem disse ter enfrentado a pior situação de sua vida no dia da prisão de Elayne. "O pai puxava ela de um lado e os policiais do outro. Foi uma cena horrível, nunca vou esquecer", lembra. A partir daí a vida de Elayne e da família virou de cabeça para baixo. Ela foi levada para um cela no presídio de Parnamirim onde ficou detida com quase 50 mulheres. Apesar das dificuldades vividas no ambiente prisional como a ociosidade e só sair da cela uma vez por semana para o banho de sol, Elayne garante ter sido bem tratada pela diretora, agentes penitenciárias e colegas de cela.

Ausência de provas

Inquéritos sem provas substanciais e "deslizes" do Ministério Público e da Justiça ao emitir pareceres e sentenças, respectivamente, têm contribuído significativamente para o aumento de pessoas condenadas injustamente ou com falta de provas mínimas. Como boa parte dos detentos é de famílias carentes, sem condição de pagar um advogado, essas pessoas são obrigadas a esperar que um defensor público seja designado para atuar no caso.

Atualmente o Rio Grande do Norte conta somente com 40 defensores públicos, quando o número ideal seria 300. Atuando como defensor público desde setembro de 2009, Manuel Sabino, membro do Conselho Superior de Defensoria Pública, garante que uma lida mais aprofundada nos processos pode evitar o sofrimento de muitas pessoas. "O caso de Elayne não estava comigo, só conheci a história antes da audiência, mas imediatamente deu para perceber que haviam vários equívocos", assegurou.

Manuel Sabino garante que a Defensoria recebe toda semana situações como a de Elayne. Ele diz que quando não atua diretamente no caso participa por solicitação dos colegas. Diferente do defensor, Henrique César Cavalcanti - promotor de justiça há 17 anos - contou que essa foi a primeira vez que atuou diretamente em um caso de prisão injusta. "Algumas vezes não constam as provas necessárias para que aquela pessoa seja condenada. O que ocorreu com Elayne foi diferente. Bastou uma lida mais aprofundada para perceber oserros", disse. 
Fonte: O POTI.


Traumas e recomeço 

Embora tenha passado momentos difíceis no ambiente prisional que, certamente, vão permanecer em sua memória durante muito tempo, Maria Elayne sempre contou com o apoio e carinho da família e amigos. Católica, a jovem parece mesmo ter sido abençoada por ter conseguido voltar à residência em que trabalha há um ano como empregada doméstica. "Graças a Deus minha patroa me conhece há muito tempo, confia em mim e por isso vou voltar", conta.

Elayne mora em uma casa simples na Zona Norte de Natal com os pais, o filho de um ano e 10 irmãos. Como o pai sofre com a osteoporose, não pode trabalhar. A responsabilidade de cuidar da família é de Elayne e da mãe, Eliene Soares da Silva, que também atua como empregada doméstica. A renda da família não chega a R$ 700, mesmo com os R$ 250 do programa Bolsa Família. Com a ida da jovem para a prisão, as dificuldades só aumentaram.

A mãe conta que o débito atual da família é de quase R$ 1 mil em três mercadinhos próximos à sua casa. Como ia toda sexta-feira visitar a filha em Parnamirim, Eliene pedia no dia anterior aos amigos e vizinhos material de higiene pessoal, biscoitos e sopas na tentativa de minimizar o sofrimento da jovem. "Quando eles não tinham, porque também são pessoas simples como nós, comprava nas mercearias, por isso estamos tão endividados", afirma a mãe.

DesesperoAo completar quatro meses detida, Elayne disse ter entrado em desespero. Decidiu tentar suicídio como forma de aliviar a dor pela saudade do filho e da família. Por duas vezes a jovem usou uma lâmina para tentar cortar os pulsos. Para sua sorte a lâmina não estava afiada e o ato não foi consumado. "Via algumas colegas que entraram depois de mim saírem e eu continuava presa. Me desesperei", afirma.

De tanto pensar no momento em que foi detida pelos policiais e na saudade da família e dos amigos, a jovem entrou em depressão e disse ter trocado o dia pela noite. "Fui medicada e ainda estou tomando antidepressivo", garante. Da rotina no presídio, Elayne se limitou a dizer que "não tinha nada para fazer" e "dormia em um colchão no chão", conforme as demais acusadas. Duas dessas mulheres, segundo a jovem, haviam sido levadas pela polícia no lugar dos filhos envolvidos com o tráfico de drogas. 

Fonte: O POTI.

Seis anos internado no João Machado

Casos como o de Elayne deveriam ser exceção à regra, porém o defensor público Manuel Sabino, membro do Conselho Superior da Defensoria Pública, ressalta que fatos como este tem ocorrido com frequência no Rio Grande do Norte. A Defensoria Pública do Estado atende toda semana familiares de pessoas detidas em situações parecidas com a da jovem: inocentes ou com a ausência de provas consistentes que sustentem a acusação.

Em 2002, Eduardo Freire da Costa, morador do município de Pedro Velho, "curtia" com três amigos, quando o grupo foi abordado por um policial. Próximo aos jovens foram encontrados dois cigarros de maconha dentro de uma carteira de cigarros. Os "amigos" de Eduardo confessaram ter usado a droga e garantiram que os cigarros encontrados pelo policial eram de Eduardo, que negou.

O grupo foi levado à delegacia. Todos foram denunciados pelo crime de porte de droga para uso, que na época previa uma pena de seis meses a dois anos de reclusão. Os três colegas de Eduardo foram absolvidos e o jovem condenado,porém a perícia constatou que Eduardo era portador de esquizofrenia hebefrênica. Em 2003, a Justiça decidiu, então, que o rapaz deveria fazer tratamento ambulatorial da doença pelo período de um ano.

Como Eduardo nunca se apresentou para o tratamento, em 2005 a Justiça converteu a medida de segurança em internação. O problema é que o suposto crime já havia prescrito, visto que já haviam se passado três anos e o tempo máximo para a reclusão do jovem seria de dois anos. Porém, com a determinação Eduardo foi levado ao Hospital Psiquiátrico João Machado onde ficou internado por mais de seis anos - nem mesmo o indulto coletivo de Natal (perdão parcial ou total da pena) dado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2008, aos pacientes portadores de doenças mentais o libertou. O jovem só foi liberado pela Justiça para voltar ao convívio dos amigos e da família há poucos dias.  

Fonte: O POTI.

Até audiências atrasam

A morosidade da justiça aliada à falta de defensores e aos constantes atrasos de presos e policias militares têm atrasado ainda mais a pauta de audiências e, com isso, a soltura de pessoas inocentes que estão detidas. "A situação piorou do ano passado para cá", diz o promotor Henrique César Cavalcanti. Segundo ele, um detento deveria ter chegado a audiência às 8h30, mas devido ao atraso do micro-ônibus que transporta os detentos, a pessoa só chegou ao fórum por volta das 11h.

O mesmo ocorre com os policiais que são convocados para testemunhar em algumas audiências, de acordo com o defensor. "Eles chegam atrasado ou nem aparecem e a audiência precisa ser agendada novamente", afirma. Sobre o assunto, o comandante geral da Polícia Militar, coronel Francisco Araújo, informou que "muitas vezes as convocações são enviadas pelos Correios e não chegam em tempo hábil". Este seria o motivo do atraso dos PMs, segundo o comandante.

A reportagem do Diário de Natal tentou falar com o coordenador do sistema penitenciário doRio Grande do Norte, José Olímpio, para esclarecer os constantes atrasos do veículos que transporta os detentos às audiências reclamados pelo defensor público, porém o mesmo não foi encontrado.

Sobre o possível aumento no quantitativo de defensores do estado, a defensora pública geral, Cláudia Queiroz, informou que existem 39 vagas em aberto para o cargo e que a governadora Rosalba Ciarlini anunciou que o estado pretende fazer concurso para a área e, com isso, ampliar o número de pessoas beneficiadas pelo serviço. 

Fonte: O POTI. 

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STF condena, mas deputados não são presos (Estadão - 09/12/2011)

BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal (STF) não consegue superar uma estatística incômoda. Apesar de já ter condenado cinco deputados desde o ano passado - um deles o crime prescreveu -, até agora nenhum parlamentar acusado da prática de crime foi preso ou começou a cumprir pena por ordem do Supremo. 

O deputado Natan Donadon (PMDB-RO) e os ex-deputados José Tatico (PTB-GO) e Zé Gerardo (PMDB-CE) recorreram das condenações. Asdrúbal Bentes (PMDB-PA) ainda espera a publicação do acórdão para decidir de vai recorrer. Somente depois do julgamento dos recursos, as penas começarão a ser cumpridas. 

O ex-deputado Cássio Taniguchi (DEM-PR) também foi condenado, mas o STF considerou que o crime estava prescrito. 

O caso mais atrasado é o do primeiro parlamentar condenado desde que o deputado Chico Pinto foi sentenciado a seis meses de detenção, em 1974, acusado de violar a Lei de Segurança Nacional durante o governo militar. Zé Gerardo foi condenado em maio de 2010 por crime de responsabilidade a pagar 50 salários mínimos a uma instituição social ou cumprir pena de dois anos e dois meses de detenção. Ele recorreu, mas o ministro Celso de Mello ainda não liberou o processo para ser julgado. 

Na semana passada, o Supremo começou a julgar o recurso de José Tatico. Mas, além de não concluírem o julgamento, os ministros ainda podem anular a pena de sete anos de prisão em regime semiaberto por sonegação e apropriação indébita de contribuição previdenciária. 

Depois de condenado pelo STF, Tatico recorreu pedindo a anulação da pena por ter quitado os mais de R$ 750 mil que deixou de recolher aos cofres da Previdência Social entre janeiro de 1995 a agosto de 2002. O relator do processo, ministro Carlos Ayres Britto, votou por rejeitar o recurso de Tatico e ordenava, com isso, sua prisão imediata. Entretanto, o pedido de vista do ministro Luiz Fux interrompeu o julgamento, que deve ser retomado apenas em 2012. 

Precedente. A depender do resultado neste caso, o Supremo poderá atenuar o tratamento dado a sonegadores. Conforme parecer da Procuradoria-Geral da República, se aceitar o argumento de Tatico, o STF deixará para o réu decidir se cumpre ou não a pena imposta pelo Judiciário. Caso não queira ser preso, basta que pague o que deve, mesmo que tenham se passado anos desde que o crime foi descoberto. 

O Supremo abriria mais um precedente para que todo sonegador arraste uma investigação criminal por anos. Ao final, com o simples pagamento do que já devia, o réu anularia todo o processo. 

Ayres Britto argumentou em seu voto, que a decisão do Supremo é definitiva, pois não caberia recurso contra a condenação pelo tribunal. Garantir ao réu o benefício de extinguir a pena com o pagamento do tributo poderia comprometer a eficácia da Justiça. 

"Por mais relevantes que pareçam as razões de política criminal, vinculadas a instrumentos de arrecadação fiscal que levaram à criação da cláusula de extinção de punibilidade, não têm o alcance de rescindir condenação criminal definitiva, ainda mais quando a condenação seja originária da mais alta corte do País, sob pena de temerário desprestígio da jurisdição criminal do Estado", afirmou Britto em seu voto.

Fonte: Estadão.

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sábado, 10 de dezembro de 2011

TV (IN) Justiça

Para quem acompanhou o drama de Maria Elayne no post 150 dias no inferno, disponibilizo duas matérias veiculadas nos dias 06 e 07 de dezembro de 2011, no programa Patrulha da Cidade.




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sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Uma tragédia que o Estado aumentou

Extremoz/RN. Alto-mar. Três irmãos e um amigo pescavam seu sustento. Genivaldo, João Maria e Leonardo nasceram em uma família humilde, mas honesta e trabalhadora.

Genivaldo é alcóolatra e ex usuário de "crack". O longo período de pesca marítima era uma boa oportunidade para ele se desintoxicar. No meio do oceano, começou a sentir os efeitos da abstinência.

Desde 23 de maio de 2010 Genivaldo já dizia estar vendo sua mulher e filho em uma canoa. Seus irmãos olharam, mas nada viram. Acharam que era brincadeira de Genivaldo.

Em determinado momento, em 16 de abril, Genivaldo afirmou estar vendo sua mulher se afogando. Ele tremia e chorava. Era um delírio, uma alucinação provocada pela abstinência. Mas Genivaldo não sabia disso. Ele pulou no mar. Seus irmãos partiram em seu socorro e evitam o pior. Para Genivaldo, no entanto, seus irmãos o impediram de salvar o amor de sua vida.

Pouco depois, Genivaldo viu novamente sua mulher se afogando. E também seu filho. Pulou no mar uma segunda vez. Mais uma vez foi salvo por seus irmãos. Mas não foi assim que ele viu as coisas.

Genivaldo pareceu se acalmar e seus irmãos retornam aos seus afazeres. Um foi tomar banho. O outro tratar dos peixes.

Com uma faca, Genivaldo investiu contra João Maria, que veio a falecer. Leonardo também foi atacado, mas caiu no mar e conseguiu sobreviver.

Em terra, Genivaldo foi preso e confessou, pouco sabendo explicar sobre o ocorrido.

Os fatos foram noticiados ao Ministério Público, que resolveu denunciá-lo por dois homicídios duplamente qualificados (motivo torpe e traição), um consumado e um tentado. Apesar de a denúncia descrever o alcoolismo e as alucinações, o Promotor não achou necessário requerer a abertura de incidente de insanidade mental.

O juiz recebeu a denúncia. Haja vista os fatos descritos na inicial acusatória, o magistrado poderia ter aberto o incidente de insanidade mental de ofício, mas também não o fez.

Dona Marlene tinha um filho para enterrar, outro hospitalizado e um terceiro preso. O que ela não tinha era dinheiro para contratar um advogado.

Em Extremoz não tem Defensor Público. O Estado do Rio Grande do Norte possui apenas 40 desses profissionais para seus quase 3 milhões e 200 mil habitantes. O juiz oficiou a sede da Defensoria Pública, que designou um Defensor Público de Natal/RN, Manuel Sabino.

Com o trâmite burocrático, a defesa de Genivaldo foi apresentada apenas em 30 de outubro. Ele já estava há mais de seis meses preso. Na mesma oportunidade, o Defensor Público pediu o relaxamento da prisão e a abertura do incidente de insanidade mental.

O juiz indeferiu a liberdade de Genivaldo, mas aceitou submetê-lo ao exame médico pericial. Mas o juiz preferiu não intimar a Defensoria de suas decisões. Assim, sem saber o que estava ocorrendo, a defesa não pode recorrer da decisão que manteve Genivaldo preso.

O tempo passou. Leonardo se recuperou. Genivaldo continuava preso.

No começo de 2011, sai o resultado da perícia de Genivaldo: absolutamente incapaz. Inimputável. "Delirium Tremens", diz o perito. O juiz manteve Genivaldo preso e marcou audiências. Mas não intimou a Defensoria de suas decisões.

A mãe de Genivaldo e o seu irmão, Leonardo, resolveram procurar o Defensor Público e informar o que estava acontecendo. Um amigo da família tirou cópias do processo e levou para o Defensor. Quando o Defensor Público ficou sabendo que Genivaldo ainda estava preso, já haviam se passado cerca de um ano e sete meses de sua prisão.

No último dia 24 de novembro, a Defensoria Pública pôde finalmente ingressar com um Habeas Corpus no Tribunal de Justiça. Além da imediata soltura de Genivaldo, o Defensor também pediu a nulidade das audiências realizadas sem sua intimação e a representação à Corregedoria para apurar a conduta do juiz.

No dia 25 de novembro, a  liminar foi negada pelo Relator.

O juiz foi intimado para apresentar informações e, no dia 06 de dezembro, resolveu libertar Genivaldo, reconhecendo que o estabelecimento prisional não é adequado para alguém ininputável e também observando que, passado tanto tempo da fase de Delirum Tremens, Genivaldo não mais oferece risco para a sociedade.

A família foi surpreendida com a chegada de Genivaldo.

A incerteza quanto ao futuro ainda paira sobre aquela humilde família, mas já sabemos o suficiente para perceber que a atuação do Estado apenas ampliou a tragédia que se abateu sobre ela.

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terça-feira, 6 de dezembro de 2011

150 dias no inferno

Muitos já devem ter lido esta história, já que ela foi amplamente divulgada no blog de Georgia Nery (aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui). Notem que o último post faz um reconhecimento à importância da instituição Defensoria Pública. Agradeço à excelente jornalista. O caso também repercutiu no Blog do BG (aqui) e outros (aqui, aqui e aqui).

Hoje uma matéria foi ao ar no Patrulha da Cidade (Tv Ponta Negra). Amanhã sairá uma matéria no Diário de Natal (que pode ser lida aqui). E ainda será veiculada uma longa entrevista sobre o assunto no RN Acontece (Band Natal), às 06:30h.

Eu estava esperando uma audiência começar quando um colega me pediu ajuda haja vista um choque de horários. Era uma audiência cuja acusação era tráfico de drogas e estavam arroladas seis testemunhas, além da acusada.

Quando cheguei na sala de audiências, encontrei quase uma dezena de pessoas - homens mulheres e crianças. A maioria estava chorando.

E eis que chega a acusada, conduzida por três agentes penitenciários, também aos prantos. Conduzida a passos firmes, algemada e oprimida, ela tinha apenas o olhar livre. E ela tentou usar este fiapo de liberdade olhando intensamente para cada um de seus familiares.

Foi assim que conheci Maria Elayne.

Dei uma olhada no processo. Vi que a Defensora Pública titular da Vara havia feito a defesa e arrolado testemunhas.

O pedido o relaxamento de prisão fora negado. Fiquei triste ao ver que a prisão preventiva já se arrastava há cinco meses, mas, infelizmente, este é o padrão em acusações de tráfico.

Ouvimos primeiro os policiais que prenderam Elayne. Ambos disseram que ela estava "no lugar errado, na hora errada". Eu quis entender melhor.

A Polícia foi acionada para uma ocorrência de agressão. Chegando no local, um popular indicou uma casa de esquina onde haveria tráfico de drogas. Chegaram reforços. A suposta proprietária do imóvel teria permitido a busca no local, mas se aproveitou de um descuido dos policiais para fugir. Droga foi encontrada, mas não havia ninguém para responsabilizar.

Neste ínterin, passava na rua Maria Elayne. Ela foi parada para prestar esclarecimentos (???). Ficou constatado que ela não morava no local onde foi encontrada a droga, mas em uma casa na rua lateral. Nada foi encontrada com a moça. Ninguém a acusou de tráfico. Ninguém a apontou como usuária.

Mas Maria Elayne foi presa em flagrante delito (???).

No Inquérito Policial já se via claramente que Maria Elayne nada tinha a ver com a droga. Mesmo assim, ela foi indiciada e denunciada. Sua denúncia foi recebida. Sua prisão mantida.

Durante seu tempo presa, Maria Elayne perdeu o ano de estudos. Perdeu o trabalho. Perdeu o contato com a família simples e carinhosa. Não podia ver sua criança. Maria Elayne perdeu a esperança e, por muito pouco, não perdeu a vida.

O desespero virou depressão. A morte lhe pareceu uma saída melhor do que continuar enfrentando o cárcere desumano e a acusação injusta. Uma gilete lhe pareceu o caminho. Maria Elayne cortou fundo os pulsos. As cicatrizes são bem visiveis.

O Estado lhe deve 150 dias de humilhação. Por pouco não lhe deve a sua vida.

Na audiência, com a confirmação da inocência de Maria Elayne, a emoção tomou conta de todos. Abaixo, além da sentença em rtf, os amigos podem conferir as emocionantes alegações finais do Ministério Público. Também consta a minha indignada manifestação final.

Vale observar que, embora absolvida antes do meio do dia de ontem, Maria Elayne só foi solta efetivamente hoje por volta das quatro horas. A burocracia estatal lhe garantiu o 150º dia de cárcere injusto.

Quanto custa cada dia da via crucis de Maria Elayne? Talvez nunca saibamos. Ela tem medo de ingressar com uma ação de indenização. Ela se recusa dar entrevistas. Ela quer apenas voltar à sua vida normal.

Mas como? Será possível passar 150 dias no inferno e voltar a viver plenamente?

Estamos na torcida...



Alegações finais do Ministério Público


Alegações finais de Defensoria Pública


Sentença (Clique aqui)

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terça-feira, 22 de novembro de 2011

Finalmente, a liberdade!

Após quase seis anos encarcerado por conta de dois cigarros de maconha, finalmente, saiu a decisão que restitui Eduardo à liberdade.
Para saber sobre o que estamos falando, clique aqui, aqui e aqui.
Duas simples páginas. Uma conclusão tardia. Eis aí (com supressões):


SENTENÇA

ico no sentido de ser a pena julgada extinta.     tificado o recolhimento da multa imposta, interveio o Ministério Público e vieram-me conclusos os autos.        Certificado o cumprimento da pena imposta, in­.igterveio o Ministério Público e vieram-me conclusos os autos.        Cumprida a pena imposta, oficiou a este Juízo o sr. Delegado de Polícia informado n_o ter colocado o apenado em liberdade em raz_o do mesmo ter sido autuado em flagrante por prática de outro delito de furto.        Finalmente, opinou o Ministério Público fosse julgada extinta a pena, pelo cumprimento.
EMENTA: Internação superior ao máximo da pena cominada à infração penal correspondente à conduta praticada. Indulto. Aplicabilidade. Extinção da medida de segurança.


       Vistos etc.

Trata-se de cumprimento de medida de segurança imposta a EDUARDO,  atualmente na modalidade detentiva por ter sido convertida, pelo prazo minimo de um ano, em razão do descumprimento ao tratamento ambulatorial (fl. 20), encontrando-se o inimputável internado na Unidade Psiquiátrica de Custódia e Tratamento desde 29/11/2005 (fls. 26/26v).
Agora vem requerer, através da Defensora Pública, aplicação do indulto na forma prevista no Decreto Federal nº 7.420 de 31/12/2010, e, por consequinte, a extinção da medida imposta, alegando haver cumprido periodo superior ao máximo da pena cominada à infração penal correspondente à conduta praticada (fls. 74/77), no que obteve parecer favorável do Conselho Penitenciário (fls. 85/94) e do Ministério Público (fl. 96).
Às fls 98/100 acostou-se laudo de exame de cessão de periculosidade, favorável a sua desinternação.
Relatados.
Entendo que ao interno se lhe aplica o disposto do art. 1º, inciso X, do Decreto nº 7.420 de 31/12/2010, para fins de concessão do indulto presidencial.
Prescreve o mencionado dispositivo:
Art. 1º -  É concedido indulto às pessoas:
...
X - Submetidas à medida de segurança, independentemente da cessação de periculosidade que, até 25 de dezembro de 2010, tenham suportado privação de liberdade, internação ou tratamento ambulatorial por período igual ou superior ao máximo da pena cominada à infração penal correspondente à conduta praticada, ou, nos casos de substituição prevista no art. 183 da Lei nº 7.210, de 1984, por período igual ao tempo da condenação, mantido o direito de assistência nos termos do art. 196 da Constituição.

É o caso.
Dessarte, vislumbro que o interno efetivamente pode ser beneficiado pelo indulto presidencial, pois, até 25 de dezembro de 2010, data estipulada para fins de implementação da condição do benefício, suportou período de internação superior ao máximo da pena cominada à infração penal correspondente à conduta praticada, além do fato de possuir droga para uso pessoal, na atualidade, não comportar qualquer medida de privação de liberdade.
Nesse sentido entendeu o STJ:
HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE DESACATO. INIMPUTABILIDADE RECONHECIDA. INSERÇÃO EM MEDIDA DE SEGURANÇA. PRESCRIÇÃO NÃO CONSUMADA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. INDULTO. DECRETO N.º 7.046/2009. OCORRÊNCIA.
[...]
4.  O Decreto n.º 7.046, de 22 de dezembro de 2009, concedeu indulto às pessoas que sofreram aplicação de medida de segurança, por meio de sentença absolutória imprópria, nas modalidades de privação da liberdade, internação ou tratamento ambulatorial, por prazo igual ou superior ao prazo máximo da pena abstratamente cominada ou, no casos de doença mental superveniente, por prazo igual ao superior à pena in concreto, independentemente da cessação da periculosidade.
5. Sendo de 2 (dois) anos de detenção a pena máxima prevista para o delito do art. 331 do Código Penal e, estando o Paciente internado desde 15 de dezembro de 2000, tem ele direito ao indulto.
6. Ordem denegada. Habeas corpus concedido, de ofício, para reconhecer ao Paciente o direito ao indulto, nos termos do art. 1º, inciso VIII, do Decreto n.º 7.046/2009 e declarar extinta a punibilidade, nos termos do art. 107, inciso II, do Código Penal, ficando cessada a medida de segurança, sem prejuízo da ressocialização do Paciente fora do âmbito do Instituto Psiquiátrico Forense.
(HC 113.993/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 02/09/2010, DJe 04/10/2010)

Isto posto, declaro aplicável o indulto a EDUARDO, em consequência, extingo o presente processo de execução.
P.R.I., retirando-se seu nome do Rol dos Culpa­dos e arquivando-se os autos após o trânsito em julgado. Comunique-se à UPCT.
Natal, 10 de novembro de 2011

Juiz de Direito

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