Princípio da Adequação Social
O Direito Penal
moderno não atua sobre todas as condutas moralmente reprováveis, mas seleciona
aquelas que efetivamente ameaçam a convivência harmônica da sociedade para
puni-las com a sanção mais grave do ordenamento jurídico.
Esse caráter
subsidiário do Direito Penal determina que a interpretação das suas normas deve
levar sempre em consideração o princípio da intervenção mínima, segundo o qual,
o Direito Penal só deve cuidar das condutas de maior gravidade e que
representam um perigo para a paz social, não tutelando todas as condutas
ilícitas e sim apenas aquelas que não podem ser suficientemente repreendidas
por outras espécies de sanção - civil, administrativa, entre outras.
Assim, o Direito
Penal deve reprimir aqueles comportamentos considerados altamente reprováveis
ou danosos à sociedade.
Corolário da
intervenção mínima, surgem os princípios da insignificância e da adequação
social, o primeiro criado por Claus Roxin e o segundo por Hans Wezel, ambos
reduzindo o âmbito de incidência do Direito Penal.
Em tradução a
palavra Adequação é proveniente do latim “adaequare” e significa adaptar
ou ajustar-se. Tendo como fundamento principal essa premissa, estrutura-se toda
a concepção referente ao “Princípio da
Adequação Social” e que possui como aspecto primordial à
necessidade de constante adaptação, por parte do Ordenamento Jurídico, aos
fatos produzidos pela coletividade, a fim de manter a relação de
interdependência – "Ubi societas, ibi jus".
De acordo com o
princípio da adequação social, é impossível se considerar como delituosa e
sujeita a sansão uma conduta aceita ou tolerada pela sociedade, mesmo que se
enquadre em uma descrição típica. Logo, se um comportamento, em determinadas
circunstâncias, não recebe juízo de reprovação social, não pode constituir um
crime. Como observa Mir Puig[1],
“não se pode castigar aquilo que a
sociedade considera correto”.
Dessa forma,
pode-se salientar que esse princípio se constitui a partir de um critério de
subjetividade de aceitação ou reprovação, determinado pela sociedade, e que,
por vezes, se desdobra em uma exteriorização a ser materializada pelo
legislador e pela comunidade jurídica. Isto é, o legislador não possui a
faculdade de produzir, por meio da legislação, normas que firam, seja de forma
explícita ou implícita, o consenso de justiça estabelecido e abraçado pela
sociedade. Além disso, o Direito como um reflexo dos anseios da sociedade, não
tem por meio da comunidade jurídica a “permissão” da população de cominar uma
sanção ao fato concreto, se ele for considerado como algo típico e costumeiro.
Tal fato
ocorre, haja vista que a evolução dos costumes e hábitos, adotados pela
população, diante de específicos assuntos e “instituições”, deve prevalecer e,
por conseguinte, estar em consonância com o anseio geral. Como forma de
ilustrar o exposto, basta analisar a questão da descriminação do artigo 240, do
Código Penal Brasileiro, que antes cominava uma pena para os crimes que
configurassem como adultério e que foi revogado pela Lei n° 11.103/2005.
Tornou-se pungente esse fato, devido ao cenário de concepção do diploma legal,
no ano de 1940, e a sociedade que hoje ele rege, em pleno século XXI.
Um exemplo de
condutas formalmente típicas que, no entanto, tem a tipicidade excluída devido
à Adequação Social, seria a circuncisão, realizada na religião judaica. Outro
exemplo seriam as lesões corporais causadas em partidas de futebol. São ações
destituídas de tipicidade material, pois são coletivamente permitidas. É
importante ressaltar que, todavia, a sociedade deve tolerar tais condutas,
portanto, este princípio não abarca ações excessivas, que estejam fora dos
limites da normalidade.
O princípio da
adequação social deve nortear o intérprete da norma penal na aferição do juízo
de lesividade de uma conduta necessário para a caracterização da tipicidade
material de um fato que, em conjunto com sua tipicidade formal, caracteriza a
conduta como típica, primeiro elemento do conceito analítico do crime.
Falando
especificamente da venda de mídias “piratas” por ambulantes, o juiz Narciso
Alvarenga Monteiro de Castro, da 8ª Vara Criminal de Belo Horizonte, afirmou
que a pena pela violação de direitos autorais deveria incidir sobre os
verdadeiros responsáveis pela reprodução e distribuição dos produtos, “que almejam lucro imensurável e quase
sempre são comandados por organizações criminosas”. O ambulante vende o produto
“talvez não por opção, mas porque o mundo
do subemprego é a única coisa que ainda resta para se ganhar a vida”[2].
De acordo com
Monteiro de Castro, a violação dos direitos autorais é um problema global que
deve ser encarado do ponto de vista social. Ele lembrou um artigo de autoria de
um membro do Conselho Nacional de Justiça, publicado pelo jornal Folha de S.
Paulo, em que a discussão
acerca da ilegalidade da pirataria foi abordada por outro ângulo. O texto
refere que a incapacidade das empresas produzirem produtos compatíveis com o
nível de renda do consumidor brasileiro é a principal causa da ilegalidade.
“Em vez de campanhas publicitárias milionárias, ações policiais e
judiciais e da permanente intimidação moral do consumidor, as empresas deveriam
investir para reduzir custos, aumentar a eficiência e adaptar seus modelos de
produção à realidade dos países emergentes”, afirmava o artigo.
Por certo, a
reprodução e comercialização de produtos falsificados devem ser combatidos. No
entanto, o Estado se vê longe da atuação mais coerente. Não é difícil encontrar
diversos lugares onde artigos ‘pirateados’ e contrabandeados são comercializados sem a menor fiscalização. Tal fato se tornou aceitável pela esmagadora parcela da
população, consumidora assídua dos produtos, e deixou de ser coibido pelo
próprio Estado. Diversos são os shoppings populares, autorizados pelo Estado,
para comercialização de artigos ditos populares, mas que, na verdade, são uma grande feira de pirataria. Tudo
que se vende são
materiais falsificados, sem notas fiscais.
Em verdade, não há justificava democrática para se ‘criminalizar’ questões meramente patrimoniais, as quais podem ser
resolvidas no seu respectivo campo civil, mediante ações respectivas. O Direito Penal não deve servir de longa manus das grandes corporações que
se valem do Estado apenas para manter a exploração, ainda mais em se tratando
de Brasil. O caso é de típica demanda civil, sem que qualquer pretensão penal
possa possa ser deferida, sequer pela questão tributária, pois esta, também,
não implica em prisão.
Monteiro de Castro também
destaca que a pena mínima de dois anos de reclusão, taxativa ao crime de
violação de direitos autorais, é pena demasiadamente exagerada para um caso
como este, porque existem outros meios eficazes de combate à falsificação, tais
como apreensão das mercadorias e multa administrativa.
Neste sentido:
APELAÇÃO
CRIMINAL - VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL - ADEQUAÇÃO
SOCIAL - CASO CONCRETO - ABSOLVIÇÃO - MEDIDA QUE SE IMPÕE. I - O Direito Penal
moderno não atua sobre todas as condutas moralmente reprováveis, mas seleciona
aquelas que efetivamente ameaçam a convivência harmônica da sociedade para
puni-las com a sanção mais grave do ordenamento jurídico que é - por enquanto -
a sanção penal. II - O princípio da adequação social assevera que as condutas
proibidas sob a ameaça de uma sanção penal não podem abraçar aquelas
socialmente aceitas e consideradas adequadas pela sociedade. V.V. (TJ-MG. 5ª
Turma. APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0325.08.009107-8/001 - COMARCA DE ITAMARANDIBA -
RELATOR PARA O ACÓRDÃO: EXMO SR. DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO).
APELAÇÃO
CRIMINAL. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. APREENSÃO DE DIVERSOS TÍTULO DE
CD E DVD "PIRATAS" EXPOSTOS PARA VENDA. [...] PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO -
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO
- AUSÊNCIA DE CONTEÚDO MATERIAL DO CRIME - ABSOLVIÇÃO DECRETADA INTELIGÊNCIA DO
ART. 386, III, DO CPP - RECURSO PROVIDO. O Direito Penal
deve punir somente as condutas que atinjam de maneira mais veemente os bens
jurídicos essenciais ao convívio em sociedade, sendo sua aplicação reservada,
ademais, quando os demais ramos do direito foram insuficientes para cumpri essa
função. Na esteira do entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal, o
princípio da insignificância é aplicável quando os vetores da mínima
ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação,
reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão
jurídica provocada se fazem simultaneamente presentes. (TJMS; ACr Itaporã;
Primeira Turma Criminal; Rel. Des. João Carlos Brandes Garcia; DJEMS 21/09/2009;
Pág. 35)
APELAÇÃO
CRIMINAL. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. ART. 182, § 2º, CP.
PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO. POSSIBILIDADE INEXISTÊNCIA DE OFENSA GRAVE OU PERIGO
CONCRETO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. Ante a não ocorrência de grave ameaça ou
perigo concreto ao bem jurídico tutelado pela norma, elementos que estão
presentes na conduta da agente, deve-se reconhecer a atipicidade do ilícito, em
respeito ao princípio da insignificância. (TJMS; ACr Jardim; Segunda Turma
Criminal; Rel. Des. Claudionor Miguel Abss Duarte; DJEMS 24/06/2009; Pág. 38).
APELAÇÃO CRIMINAL.
VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. ADEQUAÇÃO SOCIAL. CASO CONCRETO.
ABSOLVIÇÃO. MEDIDA QUE SE IMPÕE. I - O Direito Penal moderno não atua sobre
todas as condutas moralmente reprováveis, mas seleciona aquelas que
efetivamente ameaçam a convivência harmônica da sociedade para puni-las com a
sanção mais grave do ordenamento jurídico que é - Por enquanto - A sanção
penal. II - O princípio da adequação social assevera que as condutas proibidas
sob a ameaça de uma sanção penal não podem abraçar aquelas socialmente aceitas
e consideradas adequadas pela sociedade. (TJMG; APCR 1.0699.07.072907-3/0011;
Ubá; Quinta Câmara Criminal; Rel. Des. Alexandre Victor de Carvalho; Julg.
15/12/2009; DJEMG 27/01/2010)
[1] MAGALHÃES,
Joseli de Lima. O princípio da Insignificância no Direito Penal. http://www.jus.com.br/doutrina/insigni.html,
08 de maio de 2000.
[2]
http://www.conjur.com.br/2008-jun-30/ambulante_vendia_produtos_piratas_absolvido.
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