quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Conversão do flagrante em prisão preventiva – uma sistematização

Um dos posts mais visitados deste blog é o “Novas regras para a prisão cautelar e a antecipação de seus efeitos”, que aborda as novas regras sobre a prisão após as modificações da Lei nº 12.403/2011.

Tentando sistematizar minha compreensão sobre a conversão do flagrante em prisão preventiva, elaborei uma espécie de checklist, um passo a passo que deve ser seguido, a meu ver, pelo juiz ao receber os autos de prisão em flagrante.

Devido a alguns questionamentos de amigos, decidi fazer esta versão revista e ampliada do post “Sistematização da conversão em preventiva após a Lei 12.403/2011”.


Introdução.

Segundo o pensamento de Jean-Jacques Rousseau em seu Do Contrato Social (1757), nenhum homem possui poder natural sobre o outro. Na natureza, cada homem é portador de mais absoluta liberdade. Mas, em busca de segurança e autopreservação, o homem passou a viver em sociedade.

Em seu Do Espírito das Leis (1748), Montesquieu afirma que, quando os homens passaram a viver em sociedade perderam o sentimento de sua própria fraqueza. Seduzida com a ilusão da força dos números, cada sociedade passou a querer subjugar as outras, o que gerou um estado de guerra entre as nações. Ao mesmo tempo, cada indivíduo, em cada sociedade, começou a achar-se forte e a buscar algum tipo de vantagem de sua sociedade, gerando um estado de guerra entre os membros da agremiação. Essas espécies de guerra geraram a necessidade do estabelecimento de leis entre os homens.

Pelo chamado contrato social (Rousseau), cada indivíduo cede parte de sua liberdade à coletividade em troca de segurança. Quanto mais segurança, menos liberdade. Quanto mais liberdade, menos segurança. De acordo com Noberto Bobbio, “as sociedades são mais livres na medida em que são menos justas e mais justas na medida em que são menos livres”.

Os bens mais caros a uma determinada sociedade são protegidos através do Direito Penal, que estabelece condutas proibidas e penalidades para quem desobedece estas regras. Para proteger o cidadão dos excessos do Estado, surgiu o Direito Processual Penal.

Para Malatesta (A Lógica das Provas em Matéria Criminal), enquanto o Direito Penal deve ser “a espada infalível para golpear os delinqüentes”, o Direito Processual Penal, “sendo o braço que guia com segurança aquela espada contra o peito dos réus, deve também ser o escudo inviolável da inocência”.

De acordo com o Princípio da Liberdade Individual ou do Estado de Necessidade, todo cidadão tem os direitos de ir, vir e permanecer.

A liberdade é a regra do Estado Democrático de Direito, ensejando que qualquer restrição ou privação deve ser medida excepcional, que só poderá ocorrer quando houver motivo, fundamento e necessidade.

Com a edição da Lei 12.403/2011, o legislador brasileiro ressalta mais uma vez que a prisão cautelar antes do trânsito em julgado da sentença condenatória deve ser uma exceção.

Para Nestor Távora e Rosmar Rodrigues, “a preventiva é medida de exceção, devendo ser interpretada restritivamente, para compatibilizá-la com o princípio da presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII da CF), afinal, o estigma do encarceramento cautelar é por demais deletério à figura do infrator”.

Para Júlio Fabbrini Mirabete, “sabido que é um mal a prisão do acusado antes do trânsito em julgado a sentença condenatória, o direito objetivo tem procurado estabelecer institutos e medidas que assegurem o desenvolvimento regular do processo com a presença do imputado sem o sacrifício da custódia, que só deve ocorrer em casos de absoluta necessidade. Tenta-se assim conciliar os interesses sociais, que exigem a aplicação e a execução da pena ao autor do crime, e os do acusado, de não ser preso senão quando considerado culpado por sentença condenatória transitada em julgado”.

A custódia cautelar, que deveria ser a exceção, infelizmente é a regra em nosso país. Para se ter uma ideia, segundo os dados do Ministério da Justiça (Infopen – dados de dezembro de 2010), no Rio Grande do Norte, enquanto temos 1.451 pessoas cumprindo pena no regime fechado. Em contrapartida, temos um total de 3.369 presos provisórios (cerca de 70% do total de pessoas sujeitas às regras do regime fechado).

Em matéria de prisão cautelar, aqui pretendemos nos focar exclusivamente no procedimento que deve ser seguido pelo juiz na hora em que recebe o auto de prisão em flagrante.

São cinco etapas que, ultrapassadas de forma fundamentada pelo julgador, permitem a manutenção do encarceramento cautelar do suspeito, indiciado ou acusado, convertendo-se o flagrante em preventiva.

Vale observar que, falhando em ultrapassar fundamentadamente qualquer das fases, deve o juiz liberar o acautelado, sem a necessidade de analisar as demais.

Etapa 01: Licitude do flagrante.

Esta é a primeira pergunta que o julgador deve responder: o flagrante é lícito?

Diversas são as ilegalidades que podem ocorrer durante a efetivação da prisão. Se os direitos do acautelado não foram a ele informados, se houve invasão domiciliar ou se houve tortura, para ficarmos apenas com estes exemplos, entendemos que estas violações aos direitos humanos pelo Estado desautorizam a manutenção da custódia cautelar.

Mas, no mínimo, o julgador deve atentar para as hipóteses legais em que é admitida a prisão em flagrante. O acusado tem que ter sido preso enquanto o crime era cometido (flagrante próprio), logo após o cometimento do crime e em situação que faça presumir que ele é o autor do fato (flagrante impróprio) ou logo depois a infração ter ocorrido e na posse de objetos que façam crer ser ele o autor do delito (flagrante presumido).

Fora dessas hipóteses, não há flagrante e a prisão é ilegal (mesmo nos casos em que a lei expressamente admite a postergação do flagrante, o fato é que a autoridade policial tem que ter presenciado o autor em alguma daquelas situações, apenas adiando a detenção).

É necessária também a observância do cumprimento das formalidades legais da prisão em flagrante, em especial no que se refere às comunicações obrigatórias (ao juiz, à família e à Defensoria Pública). Não realizadas as comunicações nos prazos legais, o flagrante deve ser relaxado.

Ultrapassada esta etapa, ou seja, sendo lícito o flagrante, não é possível a manutenção da prisão cautelar apenas por isso, é necessário se decidir pela sua conversão ou não em prisão preventiva.

Etapa 02: Admissibilidade da Preventiva.

As regras do Código de Processo Penal que regulam a conversão do flagrante em prisão preventiva estão um tanto desorganizadas. O ideal é que se inicie pela análise dos requisitos que exigem menor cognição, e é assim que preferi sistematizar meu entendimento.

O artigo 312 CPP estabelece as hipóteses em que poderá ser decretada a prisão preventiva, desde que haja prova da materialidade e indícios de autoria. Observe-se que, a análise do conteúdo probatório mínimo é anterior à análise do enquadramento, ou não, nas hipóteses autorizadoras de preventiva. O tema será mais explorado no próximo ponto.

A análise da possibilidade da conversão do flagrante em prisão preventiva à luz do art. 313 do CPP deve ser anterior à verificação do enquadramento nas hipóteses do art. 312 do CPP. É que naquele dispositivo estão relacionadas situações em que, contrario sensu do que está escrito, a prisão preventiva é inadmissível, impossível, inaceitável.

A prisão preventiva, segundo o art. 313 do CPP[1], só é admissível se: (a) a pena máxima cominada abstratamente for superior a 04 anos; (b) o acusado for reincidente em crime doloso com sentença transitada em julgado; ou (c) o crime envolver violência doméstica e familiar.

Convém destacar que a norma visa minimizar um problema recorrente no dia-a-dia do processo penal. Incontáveis vezes, principalmente nos crimes de médio potencial ofensivo, após condenado, o réu primário acabava por ficar submetido a regime de cumprimento da pena menos gravoso que aquele em que ele esteve provisoriamente, quando ainda pairava a dúvida sobre sua culpa.

Saliente-se que a nova norma apenas minimiza o referido paradoxo, não o fazendo desaparecer por completo. É que, mesmo em crimes cuja pena máxima é superior a quatro anos, o mais provável é que a pena final seja fixada próxima ao mínimo, o que implicaria em regime mais brando que o fechado.

Uma observação que deve ser feita é que basta que o acusado seja reincidente em crime doloso, que a pena máxima abstratamente cominada seja superior a 04 anos ou que o crime envolva violência doméstica para que a preventiva seja admissível. Não é necessário o enquadramento em todas as alíneas. Ademais, é uma análise objetiva, que não admite maiores ponderações.

Uma segunda observação é que, se a preventiva é inadmissível, não há que se manter a prisão por qualquer outro motivo. Aqui surge um problema da nova lei, uma situação que vem merecendo, com a devida vênia, uma interpretação equivocada por parte da doutrina.

Trata-se das situações em que não constem nos autos comprovantes da identidade civil do flagranteado. Têm-se entendido que, nestes casos, mesmo que o caso não se enquadre nas hipóteses do caput do art. 313, CPP, o flagrante deve ser convertido em preventiva. A norma estimula a confusão no parágrafo único do próprio art. 313 CPP:

“Art. 313.  (...). Parágrafo único.  Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida”.

Na verdade, a doutrina entendeu corretamente a vontade do legislador. O que quer o CPP é exatamente que o flagranteado só seja libertado se inteiramente identificado nos autos, mesmo que estejamos diante de situação em que a preventiva é inadmissível. Ocorre que a vontade do legislador e a compreensão da doutrina esbarram em algumas barreiras de ordem constitucional e legal.

Inicialmente, a não identificação civil está e sempre esteve contida na hipótese de garantia da aplicação da lei penal (art. 312, CPP). Aliás, este sempre foi o motivo mais comum de negativa da liberdade. Não há sentido em se observar a mesma circunstância em dois momentos distintos. Mas passemos ao largo desta discussão.

Destaco que o dispositivo diz que a prisão preventiva será admitida quando o flagranteado não fornecer elementos suficientes para esclarecer sua identidade civil.

Ocorre que, estando o flagranteado preso, ele não tem como diligenciar para providenciar sua identidade civil. Em consequência da exigência impossível de ser atendida pelo próprio flagranteado, o Estado o pune com mais prisão.

Poder-se-ia dizer que o flagranteado poderia pedir a um familiar para trazer seus documentos a juízo. No entanto, a família do flagranteado não tem esta obrigação, nem pode justificar a manutenção da prisão de uma pessoa a leniência ou inimizade de outra.

Por outro lado, o flagranteado não pode ser punido, segundo entendemos, nem mesmo se ele efetivamente não quiser entregar seus documentos. É que ele não pode ser coagido a contribuir, de nenhuma forma, nem mesmo se identificando corretamente, com a sua punição. Beccaria já alertava para este absurdo:

“Outra contradição entre as leis e os sentimentos naturais é exigir de um acusado o juramento de dizer a verdade, quando ele tem o maior interesse em calá-la. Como se o homem pudesse jurar de boa fé que vai contribuir para sua própria destruição!”

Mas, à parte de todos os argumentos acima, o fato é que a correta identificação do suspeito é obrigação do Estado, mas especificamente da Polícia durante o Inquérito Policial.

Neste sentido, diz o CPP (art. 6º, VIII) que, logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policia deverá ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes.

Haja vista o que determina a Constituição Federal (art. 5º LVII, CF)[2], deve-se evitar a identificação criminal (fotográfica e datiloscópica) sempre que possível a civil. Assim, deve a autoridade policial diligenciar em busca de cumprir sua obrigação legal. E deve fazer isso assim que tiver conhecimento da infração penal. Trata-se de providência primeira, inicial.

Se a identificação civil se mostrar impossível ou insuficiente para sanar as dúvidas, deve o flagranteado ser encaminhado à identificação criminal, que é regulada pela Lei 12.037/2009. A norma não estabelece prazo para a realização da identificação criminal. No entanto, como o CPP diz se tratar de providência primeira, presume-se que o suspeito deve estar apropriadamente identificado antes do envio do Inquérito Policial ao Poder Judiciário, ou, caso haja justificativa plausível para a não realização da diligência, em prazo razoável.

Se não identificado pela autoridade policial, estamos diante de hipótese de relaxamento de prisão. Assim, como justificar a conversão do flagrante em preventiva? Inadmissível, ilegal, inconstitucional.

Solução interessante foi a encontrada pela magistrada Marlúcia de Araújo Bezerra em decisão publicada no site da Associação de Juízes para a Democracia. A julgadora determinou a soltura do acusado e determinou que a autoridade policial cumprisse sua função e o identificasse corretamente[3].

Por fim, o CPP diz ser inadmissível a decretação da prisão se o juiz verificar que existem provas demonstrando haver o suspeito agido com base em exculpante (art. 314)[4].

Etapa 03: Existência dos Pressupostos da Preventiva.

Para haver a decretação da preventiva, necessária a prova da materialidade delitiva, bem como de indícios críveis da autoria.

Neste sentido, Nestor Távora e Rosmar Rodrigues são contundentes: “para a decretação da preventiva é fundamental a demonstração de prova da existência do crime, revelando a veemência da materialidade, e indícios suficientes de autoria ou de participação na infração (art. 312, caput, in fine, CPP)”.

Não há sentido em se manter uma prisão cautelar, por exemplo, se o fato é atípico pela aplicação do princípio da insignificância, ou se não houve a apreensão da arma de fogo no crime de porte. Detectadas estas situações incorrigíveis, a preventiva não só não se justifica, como é recomendado o trancamento da ação penal.

Mas o que a parte final do art. 312 deseja é que a prisão preventiva não seja decretada se não existir nos autos conteúdo probatório mínimo que justifica a persecução penal e a medida cautelar. Este conteúdo probatório mínimo nada mais é que a condição da ação penal denominada justa causa. Claro que, no caso de flagrante, aqui estaremos no início da investigação e mais provas poderão ser compiladas. Não sendo corrigida a situação de insuficiência de provas, o certo é que eventual denúncia não deverá ser aceita.

Etapa 04: Enquadramento nas hipóteses da Preventiva.

Ultrapassadas as etapas anteriores, necessário observar se o caso se enquadra nas hipóteses em que a lei recomenda a medida: (a) como garantia da ordem pública ou da ordem econômica; (b) por conveniência da instrução criminal, caso a liberdade do acusado cause concreto obstáculo à elucidação dos fatos; ou (c) para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver dúvida sobre a identidade do acusado ou fundado risco de fuga (Art. 312 do CPP).

Nesta etapa, necessário se ter bastante cuidado para não cair nas armadilhas da construção genérica da norma. Não existe acordo na doutrina ou jurisprudência quanto ao que seria a tal “ordem pública”, por exemplo.

Para Nestor Távora e Rosmar Rodrigues[5], “em havendo risco demonstrado de que o infrator, se solto permanecer, continuará delinquindo, é sinal de que a prisão cautelar se faz necessária, pois não se pode esperar o trânsito em julgado da sentença condenatória”. No entanto, como ressaltado pelos autores, “é necessário que se comprove este risco”.

A simples possibilidade de decretação da preventiva como garantia da ordem pública é criticada. Aury Lopes Jr.[6] salienta, inclusive, a expressão “futurologia perigosista” utilizada em decisão proferida no HC 70006140693, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que foi relacionada à questão. Também Antônio Magalhães Gomes Filho[7] tece críticas a essa hipótese de decretação da prisão preventiva, afirmando que a aferição periculosidade do réu ocorre com base em um “juízo de probabilidade”, bem como que antecedentes criminais e gravidade do delito “mais revelam uma impressão pessoal do magistrado do que uma realidade assentada em fatos concretos”.

Tourinho Filho[8] também rechaça esta modalidade de preventiva, entendendo-a um rematado abuso de autoridade:

“‘Perigosidade do réu’, ‘os espalhafatos da mídia’, ‘reiteradas divulgações no rádio e televisão’, tudo, absolutamente tudo, ajusta-se àquela expressão genérica ‘ordem pública’. E a prisão preventiva, nesses casos, não passa de uma execução sumária. O réu é condenado antes de ser julgado, uma vez que tais situações nada têm de cautelar”.

“Quando se decreta a prisão preventiva como ‘garantia de ordem pública’ o encarceramento provisório não tem o menor caráter cautelar. É um rematado abuso de autoridade e uma indisfarçável ofensa à nossa Lei Magna, mesmo porque a expressão ‘ordem pública’ diz tudo e não diz nada’”.

Também não há sentido na prisão para assegurar a “credibilidade da Justiça”. O argumento, saliente-se, serviria para manter presa toda e qualquer pessoa acusada de crimes, mas suspeita-se que a medida dificilmente serviria para melhorar a imagem do Poder Judiciário. Nestor Távora e Rosmar Rodrigues[9] criticam este tipo de argumento:

“Nem se diga que a liberdade do infrator durante a persecução poderia afetar a imagem da Justiça. Ora, o sentimento popular não pode pautar a atuação judicial com repercussão tão gravosa na vida do agente. A política de ‘boa vizinhança’ com a opinião pública ou com a imprensa não pode levar ao descalabro de colocarmos em tábula rasa as garantias constitucionais, em prol da falaciosa sensação de segurança que o encarceramento imprimiria. A imagem do Judiciário deve ser preservada com a condução justa do processo, não cabendo ao réu suportar este ônus com a sua liberdade”.

O fato é que o enquadramento em qualquer das hipóteses deve ser fundamentada em fatos concretos e é inadmissível que o magistrado utilize esta etapa para manifestar seu repúdio pessoal a qualquer tipo de crime.

Observe-se, ainda, que o CPP (art. 312, parágrafo único)[10] prevê que, em sendo descumprida a medida cautelar, o magistrado poderá decretar a prisão preventiva.

Etapa 05: Insuficiência de Medida Cautelar ou Desnecessidade de Prisão Domiciliar.

Caso o flagrante seja lícito e, na situação concreta, além de ser admitida a preventiva, estejam presentes os seus pressupostos e haja o enquadramento nas hipóteses legais em que a medida é recomendada, a conversão em prisão preventiva é possível.

No entanto, antes de converter a prisão em flagrante em preventiva, o julgador deve verificar se não é suficiente a substituição por uma medida cautelar ou se não é caso de aplicação da prisão domiciliar.

Poderá ser decretada medida cautelar em sua substituição observando-se a: (a) necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; e (b) adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado (art. 282 do CPP).

Eis as espécies de medidas cautelares:

"Art. 319 do CPP. São medidas cautelares diversas da prisão: I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; IX - monitoração eletrônica". 

O juiz deverá substituir a preventiva por prisão domiciliar quando o agente for: (a) maior de 80 (oitenta) anos; (b) extremamente debilitado por motivo de doença grave; (c) imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; ou (d) gestante a partir do 7o (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco (art. 318 do CPP).

A conversão da prisão em flagrante em preventiva só deve ocorrer se não for aplicável prisão domiciliar ou se não for suficiente a medida cautelar.

Conclusão

Concluímos com Roger de Melo Rodrigues que, em seu A Cultura da Prisão, pontua:


"A eficiência e a celeridade da Justiça criminal não se medem por número de presos, mas sim por adequado número de funcionários, de Juízes, de Promotores, de Delegados e de Defensores Públicos, todos qualificados, fator este que deve ser aliado ao fornecimento pelo Estado de condições satisfatórias para o funcionamento e aprimoramento do aparelho estatal preventivo e repressivo ao crime".

"O criminoso encarcerado, em sistemas penitenciários como o nosso, tende a ocupar-se das mais diversas atividades, exceto da arte de meditar, pois o meio em que se acha lhe propicia tanta dor, humilhação e revolta que seu espírito naturalmente tende a preferir extravasar tais sentimentos por atos de vandalismo, ociosidade ou promiscuidade a dar asas a uma auto-avaliação crítica de sua conduta pretérita, objetivando sua reingresso social."
"Na verdade, a prisão cuida-se de um artifício de origem imemorável, constituindo-se atualmente como um dos diversos meios para punir o criminoso, meio este a ser utilizado de forma restritíssima antes do trânsito em julgado do processo penal, afinal de contas, nossa Constituição Federal adota o princípio da não-culpabilidade, não se olvidando que mesmo após a sentença trânsita em julgado, a prisão deve ser evitada, priorizando-se a aplicação de medidas alternativas".

[1] Art. 313.  Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; IV - (revogado). 
[2]  Art. 5º (...) LVIII - o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei;
[3] “O acusado deverá ser apresentado, pela autoridade administrativa responsável pela custódia, ficando esta responsável também pela correta identificação do custodiado, ao Oficial de Justiça encarregado da diligência de cumprimento do alvará de soltura”.
[4] Art. 314.  A prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.
[5] Curso de Direito Processual Penal, pág. 551.
[6] Direito Processual Penal, p. 204
[7] Presunção de Inocência e Prisão Cautelar, p. 69.
[8] Processo Penal, v III, p. 509/510.
[9] Curso de Direito Processual Penal, pág. 552.
[10] Art. 312.  (...) Parágrafo único.  A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).

Um comentário:

Márcio Christie disse...

Boa tarde!
Excelente a postagem!!!
Rica em informações e extremamente fundamentada.
Parabéns.

Márcio Christie