sexta-feira, 13 de abril de 2012

Situação insustentável da DPE/RN

Situação da Defensoria do Estado do Rio Grande do Norte
Comarcas
Comarcas existentes
065
Comarcas com atendimento integral
008
Comarcas com atendimento emergencial
057 (87,69%)
População
População do Estado
3.164.103
População das comarcas com atendimento integral (embora com poucos Defensores)
1.615.314
População das comarcas com atendimento emergencial
1.998.789 (63,17%)
Relação Defensor/População total
01 para 79.102
Relação Defensor/População com atendimento integral
01 para 40.382
Relação ideal
01 para 10.000
Comparação com outras carreiras e Número de Defensores
Número de cargos de magistrados
202
Número de cargos de membros do MP
211
Defensores necessários (relação ideal)
316
Mínimo necessário
250
Cargos existentes
102
Defensores existentes
040 (12,65% do total necessário, 16% do mínimo necessário e 39,22% dos cargos existentes)
Defensores afastados de suas funções por período superior a 30 dias (hoje, em 13/04/2012)
06 (01 para exercer o cargo de Defensora Geral, 02 por motivos de saúde e 03 por licença maternidade)
Orçamento 2011
Orçamento RN 2011
9.498.381
Orçamento MPE 2011
197.462
Orçamento TJE 2011
527.236
Orçamento DPE 2011
013.588
Em 2011, o orçamento da DPE representou 0,14% do Orçamento total do RN, enquanto o TJE ficou com 5,55% e o MPE com 2,08%. Para cada R$ 100,00 gastos com o aparelho judiciário, R$ 71,41 são gastos com o TJE, R$ 26,75 com o Ministério Público e apenas R$ 1,84 são gastos com a DPE. Vale dizer que o RN ainda remanejou significativa parte dos recursos da DPE.
Orçamento 2012*
Orçamento RN 2011
9.395.000 (- 01,09%)
Orçamento MPE 2011
242.870 (+ 22,99%)
Orçamento TJE 2011
726.556 (+ 37,80%)
Orçamento DPE 2011
010.500 (- 22,14%)
Em 2012, o orçamento da DPE recuou, fato inédito no Brasil, e representou meros 0,11% do Orçamento total do RN, enquanto que o TJE ficou com 7,73% e o MPE com 2,58%. Para cada R$ 100,00 gastos com o aparelho judiciário, R$ 74,14 são gastos com o TJE, R$ 24,78 com o Ministério Público e apenas R$ 1,07 são gastos com a DPE.
* Pode haver alguma imprecisão nos dados referentes a 2012 pela limitada publicidade dos dados da OGE 2012, fato também inédito em tempos de internet e transparência.

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quinta-feira, 12 de abril de 2012

Seu Laércio, o "criminoso"

Seu Laércio é um idoso que tem um pequeno comércio que mal dá para sustentar sua família. Em dezembro de 2010, pouco depois do Natal, recebeu a visita de dois desconhecidos. Um deles puxou uma arma e disparou contra o comércio de Seu Laércio. Ele foi atingido três vezes, sendo uma na cabeça.
 
Quando se recuperou, Seu Laércio foi à polícia e registrou um BO. O Estado foi incapaz de identificar os agressores. A polícia disse que não tinha como garantir sua segurança.
 
Desesperado, Seu Laércio saiu para comprar uma arma de fogo. Na volta para casa, foi parado por uma viatura. Aboradagem de rotina. Seu Laércio, que nunca havia passado sequer perto do Fórum, hoje responde por porte de arma de fogo de uso permitido. Já chorou algumas vezes na sala da Defensoria, com a preocupada esposa, companheira de tantos anos, agarrada ao seu braço. Ele me pergunta, com o olhar de que procura algo que nunca viu: "Doutor, isto é Justiça?"
 
Seu Laércio segue com a vida ameaçada...
 
Acabei de fazer sua defesa, juntando boletim de ocorrência, laudo do ITEP e declarações médicas. Além disso, cito Lênio Streck:
 
"(...). Está-se diante de caso de absoluta falta de razoabilidade: o Estado, porque – e isso é confesso – inoperante e sem efetivo policial para conter a violência, não pode infligir pena, por uma conduta que visava à defesa pessoal, a um sujeito que não consegue proteger. Refira-se, ainda, que a legislação penal brasileira não veda a existência de causas supralegais de extinção da culpabilidade, como é o caso da examinada inexigibilidade de conduta diversa. Aliás, não seria sistemicamente aceitável anuir que em casos de ilícitos previdenciários se afaste a punibilidade dos responsáveis da empresa – quando estes, conforme entendimento pacificado no Tribunais Regionais Federais pátrios, deixam de repassar ao INSS os valores descontados dos salários dos empregados quando motivada essa falta de repasse por comprovada crise financeira – e não aceitar a mesma a causa de exclusão da culpabilidade quando um indivíduo detém uma arma para resguardar a sua segurança concretamente ameaçada".
 
O que acham, Seu Laércio merece ser condenado?

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quarta-feira, 11 de abril de 2012

A Anencefalia e o Crime de Aborto: Atipicidade por Ausência de Lesividade


A Anencefalia e o Crime de Aborto:
Atipicidade por Ausência de Lesividade.
Manuel Sabino Pontes[1]
SUMÁRIO: 1. Introdução; 1.1. Números da Matéria; 2. Anencefalia; 3. Aborto; 4. Dignidade da Pessoa Humana; 4.1. Evolução da Concepção Atual da Dignidade; 4.2. Tentativa de Conceituação e Caracteres; 5. Direito à Vida; 6. Princípio da Lesividade; 7. Princípio da Proporcionalidade; 8. Crime de Aborto; 9. Conclusões; 10. Obras Consultadas.

1. Introdução
O abortamento tem-se mostrado como um dos temas que mais suscitam discussão e polêmica em nossa sociedade, encontrando desde os que defendem a descriminalização completa da conduta até os que lutam pela sua proibição absoluta e incondicional. O tema ressurge de tempos em tempos, ao sabor de fatos marcantes da ocasião.
A interrupção da gravidez, mais especificamente quando se trata de feto portador da anencefalia, retorna ao cenário nacional de discussões graças à divulgação na mídia de uma Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54/DF) ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal (STF) pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde (CNTS). Apresenta-se o seguinte questionamento: deve-se permitir o prosseguimento de gestação de feto sem qualquer viabilidade de vida?
A referida ADPF é de grande importância, já que dificilmente chegam aos tribunais superiores pedidos de autorização para abortamento, embora o abortamento exista de fato, ainda que clandestinamente. Por outro lado, ainda que tais pedidos de autorizações sejam submetidos ao Judiciário, a lentidão do maquinário jurisdicional ou mesmo o forte ranço religioso que marca a formação de muitos profissionais do direito impede a apreciação em tempo oportuno da questão.
Sobre os motivos que levaram a CNTS a ingressar com a referida ADPF, declarou José Caetano Rodrigues (REDE FEMINISTA DE SAÚDE, 2005, p. 1), secretário-geral daquela organização:
Foi por ver o sofrimento e a peregrinação dessas mulheres na Justiça que decidimos entrar com a ação que resultou na liminar. É também muito difícil para os médicos e enfermeiros que acompanham essas gestações fazer o diagnóstico e não ter respaldo legal para oferecer uma alternativa.
O nosso objetivo com o presente texto consiste em analisar especificamente o abortamento em casos de anencefalia, primando por uma abordagem puramente jurídico-científica. Não se ambiciona aqui solucionar indiscutivelmente o problema, posto a complexidade das paixões envolvidas e as evidentes limitações do autor. Busca-se, entretanto, dar contornos mais objetivos e práticos à matéria, rejeitando argumentos religiosos ou sem base legal.
1.1. Opção Metodológica
Quando as Constituições de praticamente todo o mundo moderno resolveram retirar da Igreja o controle sobre as Políticas Públicas, criando a noção de estado laico, não se pretendia incentivar a ausência de religiosidade pela população, mas conceder a cada cidadão a liberdade para escolher que religião deseja seguir. Contrario sensu, impor à população através do Estado as verdades de uma determinada religião, significa desrespeitar a liberdade de crença garantida a todos aqueles que professam outra fé.
Por reconhecer a importância do estado laico, optamos por nos afastar de qualquer argumentação religiosa neste estudo, conforme já explicitado desde sua primeira versão[2]. No entanto, utilizando-se de palavras de força (facismo, eugenia, assassinato) e de autoridade (Deus, castigo), alguns leitores nos encaminharam mensagens de flagrante ódio e intolerância. O engano que esses leitores cometem é exatamente aquele que se buscou evitar neste trabalho: tentar derrubar uma tese científica com idéias transcendentais. Não se trata exatamente uma novidade, já que Galileu Galilei (1564-1642) foi condenado como herege por defender sua já então comprovada cientificamente teoria heliocêntrica[3], mas parece-nos uma tarefa impossível de se realizar no mundo pós-iluminismo. Embora seja possível a interpretação da religião à luz da ciência, como já defendia Santo Agostinho (354-430)[4], a via oposta, ou seja, a validação ou invalidação da ciência pela fé, é inadmissível.
Em um estado laico, é necessário lembrar que existem diversas diferentes religiões com diversas diferentes concepções teológicas. Mais ainda, dentro de cada religião, existem diferentes interpretações de importantes conceitos. O estado laico precisa respeitar a liberdade de crença de cada facção. Um estado religioso, por outro lado, precisaria escolher uma determinada doutrina de uma determinada religião para seguir, satisfazendo os seguidores daquela fé, mas necessariamente submetendo todos os demais.
Neste sentido, Hélio Schwartsman (2005a, p. 2) é preciso:
(...) concedamos a eventuais céticos radicais que dogmas, postulados e axiomas são indiscerníveis entre si e valem todos a mesma coisa, isto é, nada. Ainda assim, a ciência teria sobre as religiões uma vantagem. Ela tem como subproduto tecnologias - uma medida indireta de sua “exatidão” - cuja universalidade é aferível. O foguete que eu construo com base em minhas idéias sobre a física, desde que corretamente lançado, me levará à Lua quer eu seja judeu, ateu, católico, muçulmano ou corintiano. Já com as religiões, as mesmas ações que levariam o partidário de uma ao paraíso atiram-no no inferno segundo a doutrina da outra. Daí se segue que um Estado democrático e multi-étnico precisa necessariamente abraçar o laicismo.
Se não o fizer corre o risco de deixar de ser democrático ou, pior, de acabar com as etnias e grupos minoritários.
O início da vida humana, tema que interessa ao nosso estudo, por exemplo, é uma questão controvertida entre todas as grandes religiões.
Com relação especificamente ao cristianismo, a questão teve várias reviravoltas. O filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) entendia que um novo ser humano só existia após os primeiros movimentos do feto no ventre materno. Hoje sabemos que os primeiros movimentos perceptíveis no ventre materno ocorrem mais ou menos após 20 (vinte) semanas de gestação. Apoiado no conhecimento científico da época, entretanto, o grego definiu como o início da vida aos 40 (quarenta) dias da concepção (quando o feto passaria de “inanimado” para “animado” e se tornaria vida humana). Influenciados pelo filósofo grego, São Tomás de Aquino (1227-1274) e Santo Agostinho (344-431) definiram o início da vida moral, quando o feto adquire alma, como sendo o 40° (quadragésimo) dia de gestação. O primeiro Papa Católico a verdadeiramente condenar qualquer tipo de interrupção da gravidez, através da Bula Effraenatam[5] e sob pena de excomunhão, foi Sixto V (1521-1590), em 1588. Logo depois, no entanto, através da Bula Sedes Apostolica, de 1591, o Papa Gregório XIV (1535-1591) voltou atrás, estabelecendo que o feto “inanimado” não poderia ser considerado um ser humano e que, em conseqüência, seria menos grave o aborto antes dos 40 (quarenta) dias de gestação. A posição da igreja só se estabilizou em 1869, quando Pio IX (1792-1878) estabeleceu o início da vida humana com a concepção (SUPERINTERESSANTE, 2005, p. 59). Ou seja, para a atual doutrina católica, o produto da concepção é um ser humano pleno e dotado alma, sendo inadmissível o aborto, mesmo em caso de risco de vida para a mãe ou gravidez resultante de estupro, hipóteses estas expressamente previstas em nosso Código Penal.
Vale lembrar ainda que, com base na bíblia, já houve quem defendesse que a alma ingressa no corpo com a respiração[6], enquanto outros já entenderam que a alma surge com a formação do sistema circulatório[7], lá pelo 18° (décimo oitavo) dia de gestação. A própria bíblia, ressalte-se distingue a vida em formação da vida plena, estabelecendo uma mera pena pecuniária pelo aborto acidental causado por terceiro, mas aplica o “olho por olho” quando a vítima do mesmo fato for a mãe[8].
Para o judaísmo, por sua vez, a vida humana começa no 40° (quadragésimo) dia de gestação, quando o feto começa a adquirir forma humana. Antes disso, a interrupção da gravidez não é considerada homicídio. Para o islamismo, o início da vida humana começa quando Alá sopra a alma no feto, cerca de 120 (cento e vinte) dias após a fecundação. O aborto é condenado, mas o feto só é considerado vida humana após adquirir sua alma (SUPERINTERESSANTE, 2005, p. 61). Para os kardecistas, por fim, a alma começa a se unir ao corpo a partir da concepção, mas a união só se completa com o nascimento. Assim, caso o corpo morra antes de nascer, o espírito a ele ligado escolhera um outro para se vincular[9].
Além destas diferenças gritantes, é interessante ressaltar que a posição oficial de determinada religião não significa a concordância de todos os que professam aquela fé. Especificamente sobre o tema do aborto no caso de anencefalia, pesquisa do IBOPE revelou que 70% (setenta por cento) das católicas concordam com o direito da mulher de decidir. Nesta mesma linha, concordam com aquelas 100% (cem por cento) das kardecistas, mórmons e seguidoras da Assembléia de Deus, bem como 90% (noventa por cento) das Testemunhas de Jeová e 83% (oitenta e três por cento) das freqüentadoras da Seicho No Ie[10].
Quando perguntadas se seria tortura obrigar uma mulher a manter, contra sua vontade, a gestação de um feto anencéfalo até o final da gravidez, os números foram ainda mais altos: 100% (cem por cento) das kardecistas, da Seicho No Ie, Mórmons, adventistas do 7º Dia e da Assembléia de Deus consideram que não se deve exigir isso da mulher. Também concordam 80% (oitenta por cento) das católicas, 79% (setenta e nove por cento) das evangélicas e 84% (oitenta e quatro por cento) das espíritas5.
Sobre a interseção entre o tema e o pensamento religioso, nenhum artigo foi tão preciso e convidou tanto á reflexão quanto Anencefalia na perspectiva da fé e da ética, de Frei Cláudio van Balen e Sérgio Bittencourt (2005, p. 4-6), publicado no sítio da Igreja do Carmo de Belo Horizonte:
(...). Ora, em matéria de anencefalia e de morte encefálica é hora de acolhermos, com visão crítica, os dados da ciência e as luzes da fé cristã. Não vale preconceito social, sectarismo religioso nem integrismo jurídico com cegueira, passividade e intolerância.
(...). Em gestações de crianças anencefálicas, a mãe funciona como um aparelho ligado até o momento do parto (...).
Nesse caso, a interrupção da gravidez nada tem a ver com aborto, pois a vida não existe sem a mãe-aparelho. Ao se proibir tal recurso, o feto é impedido de despedir-se de uma vida que já não existe, o que implica desrespeito para com a mãe, sendo tratada como simples objeto sem dignidade nem direito. Parece que, então, a mãe é reduzida a sepulcro de seu próprio feto.(...)
Urge criar uma sensibilidade cristã com cidadania solidária frente a preconceitos emocionais, culturais, jurídicos e religiosos. Urge aprender a respeitar o fluxo natural da vida. Urge não empurrar famílias para um mar de sofrimento, que não gera benefícios. Ninguém tem direito de expor ao ridículo a limitação do ser humano. Não há motivo para encobrir a realidade com prepotência jurídica e religiosa, espelhando irresponsabilidade na prática da fé cristã e no exercício da cidadania.
Somos convidados a superar o preconceito contra a morte, como se ela não fosse parte da vida. A morte é, sob múltiplos aspectos, a criação da vida. A ninguém cabe resgatar, ilusoriamente, as pessoas para uma dor prolongada. Médico, enfermeiro, psicólogo, profissionais de saúde, agentes religiosos são chamados a defender a vida. Vida de boa qualidade. Jesus advertiu: “Ninguém imponha a outros um peso que não deseja carregar” (Lucas 11,46).
Todas estas considerações, entretanto, seriam apropriadas se este fosse um artigo religioso, o que não é o caso. O nosso objetivo é responder se, à luz do ordenamento jurídico vigente, é fato punível interromper-se a gravidez diante de um diagnóstico de anencefalia. Não se pretende ofender ou defender a fé de quem quer que seja, mas perscrutar, do ponto de vista puramente científico-jurídico, se o nosso estado laico pune criminalmente o aborto nesses casos. Este estudo apenas pretende responder esta questão, não sendo nosso desejo estabelecer se o aborto do anencéfalo é ética, moral ou religiosamente aceitável.
Sendo mais contundente, o articulista Hélio Schwartsman (2005b, p. 2-3) assevera:
(...) Roma tem todo o direito de exigir dos católicos que obedeçam às suas diretrizes. Estes, se quiserem conservar-se bons católicos, estão obrigados a fazê-lo. Como cidadãos, contudo, são livres para seguir ou não as orientações da Santa Sé. O Vaticano também pode aconselhar o Congresso Nacional a acompanhar suas posições, mas isso não será mais do que um palpite, tão bom quanto o meu, o do leitor ou o da Frente de Libertação dos Anões de Jardim. (...).
O Estado democrático deve procurar proporcionar a maior felicidade possível para o maior número de cidadãos, sempre respeitando os direitos de todos. Nessa busca invariavelmente conflituosa, fatos provados devem ter primazia sobre opiniões. Dogmas e crenças de alguns merecem todo o respeito, mas não podem converter-se em amarras contra todos.
1.2. Importância do tema
O tema tem despertado grande interesse e polêmica atualmente, sendo citados conjuntamente os termos “anencefalia” e “aborto”, em cerca de 82.200 sítios da Rede Mundial[11].
Segundo pesquisa encomendada ao IBOPE, 76% da população brasileira é favorável ao aborto no caso de problemas congênitos absolutamente incompatíveis com a vida, como é o caso da anencefalia. Por outro lado, relativamente às hipóteses expressamente permitidas em lei, 79% da população é favorável ao aborto no caso de risco de morte para a mulher, enquanto que, 62% apóiam com o aborto em caso de gravidez resultante de estupro (ÉPOCA, 2005, p. 65).
Marcos Valentin Frigério, Ivan Salzo, Silvia Pimentel e Thomaz Rafael Gollop realizaram um trabalho intitulado Aspectos Bioéticos e Jurídicos do Abortamento Seletivo no Brasil. Durante este trabalho, os autores estudaram 263 pedidos de alvarás para interrupção da gravidez em casos de anomalias incompatíveis com a vida.
Nestes 263 casos estudados, o Ministério Público opinou pelo deferimento do alvará em 201 (76,43%) casos e pelo indeferimento em 62 (23,57%). Em contrapartida, o juiz decidiu pelo deferimento em 250 (95,06%) casos e pelo indeferimento em apenas 13 (4,94%).
Os embasamentos jurídicos das decisões e pareceres pelo deferimento e pelo indeferimento dos pedidos foram variados, como se pode observar nas tabelas abaixo:
 Embasamento jurídico no deferimento
Juízes
MP
Inexibilidade de conduta diversa
1
2
Artigo 5o. da Constituição
3
4
Preservar a higidez psíquica da gestante
63
41
Inexibilidade de conduta diversa + Preservar a higidez psíquica da gestante
1
2
Inexibilidade de conduta diversa + Artigo 5o da Constituição + Preservar a higidez psíquica da gestante
7
5
Preservar a higidez psíquica da gestante e autoriza o aborto pelo art. 128
17
5
No Artigo 5o. da Constituição + art. 3o, Código de Processo Penal e princípios gerais do direito nos princípios de jurisdição voluntária e art. 1104 e seguintes do Código Penal
78
32
Estado de Necessidade + Aplicando-se anologia "in bonam parte" usando art. 124 CP c/c o Art. 128,I e II + Artigo 5o. da Constituição
1
4
Autoriza o aborto nos termos do art. 128,I e II do CP
39
24
Aplicando-se anologia ïn bonam parte" usando art. 124 CP c/c o Art. 128,I e II
13
29
No Artigo 5o. da Constituição + art. 3o, Código de Processo Penal e princípios gerais do direito nos princípios de jurisdição voluntária
6
5
Não há crime em realizar o aborto pois o feto não tem mais vida a ser tutelada
6
3
Não encontra amparo no direito normativo
3
2
Sem acesso a informação / julgado na 2a. Instância
12
43
TOTAL
250
201
Tabela I: Embasamento jurídico de sentenças e pareceres favoráveis a pedidos de aborto seletivo.
  
Embasamento jurídico no indeferimento
Juízes
MP
Não se opõe desde que haja risco de vida materno
0
1
Não configura estado de necessidade
4
5
Não encontra amparo no direito normativo
9
53
Invioabilidade do direito a vida
0
3
TOTAL
13
62
Tabela II: A argumentação contra a autorização do aborto seletivo.

Assim, é de se concluir que a grande maioria da população, bem como dos profissionais da área jurídica, é favorável à interrupção da gravidez no caso de anencefalia. Entretanto, ainda existe certa dúvida quanto à fundamentação jurídica adequada para sustentar as decisões judiciais neste sentido.
2. Anencefalia
A discussão sobre o aborto do feto anencéfalo tem que passar, necessariamente, por uma melhor compreensão do que vem a ser a anencefalia. Sobre o tema, de um ponto de vista médico, os Doutores Carlos Gherardi e Isabel Kurlat escreveram o esclarecedor texto Anencefalia e Interrupción del Embarazo - Análisis médico y bioético de los fallos judiciales a propósito de un caso reciente. As conclusões deste trabalho são reproduzidas a seguir, de forma resumida e em tradução livre.
A anencefalia é uma alteração na formação cerebral resultante de falha no início do desenvolvimento embrionário do mecanismo de fechamento do tubo neural e que se caracteriza pela falta dos ossos cranianos (frontal, occipital e parietal), dos hemisférios e do córtex cerebral. O tronco cerebral e a medula espinhal estão conservados, embora, em muitos casos, a anencefalia se acompanhe de defeitos no fechamento da coluna vertebral. Aproximadamente 75% dos fetos afetados morrem dentro do útero, enquanto que, dos 25% que chegam a nascer, a imensa maioria morre dentro de 24 horas e o resto dentro da primeira semana.
Na anencefalia, a inexistência das estruturas cerebrais (hemisférios e córtex) provoca a ausência de todas as funções superiores do sistema nervoso central. Estas funções têm a ver com a existência da consciência e implicam na cognição, percepção, comunicação, afetividade e emotividade, ou seja, com aquelas características que são a expressão da identidade humana. Há apenas uma efêmera preservação de funções vegetativas que controlam parcialmente a respiração, as funções vasomotoras e as dependentes da medula espinhal. Esta situação neurológica corresponde aos critérios de morte neocortical (high brain criterion), enquanto que, a abolição completa da função encefálica define a morte cerebral ou encefálica (whole brain criterion).
A viabilidade para a vida extra-uterina depende do suporte tecnológico disponível (oxigênio, assistência respiratória mecânica, assistência vasomotora, nutrição, hidratação). Há 20 anos, um feto era considerado viável quando completava 28 semanas, enquanto que, hoje, bastam 24 semanas ou menos. Faz 10 anos que um neonato de 1 kg estava em um peso limite, mas hoje sobrevivem fetos com 600 gramas. A viabilidade não é, pois, um conceito absoluto, mas variável em cada continente, país, cidade e grupo sociocultural. Entretanto, em todos os casos, a viabilidade resulta concebível em relação a fetos intrinsecamente sãos ou potencialmente sãos. O feto anencefálo, ao contrário, é intrinsecamente inviável. Dentro de um quadro de morte neocortical, carece de toda lógica aplicar o conceito de viabilidade em relação ao tempo de gestação. O feto será inviável qualquer que seja a data do parto.
Vale ressaltar que, para o Conselho Federal de Medicina, segundo o contido em sua Resolução nº 1.752/2004, o anencéfalo é um natimorto cerebral. Por não possuir o córtex cerebral, mas apenas o tronco encefálico, é inaplicável e desnecessária a utilização dos critérios médicos definidores da morte encefálica.
De acordo com o Ministro Joaquim Barbosa, do STF, “o feto anencefálico, mesmo estando biologicamente vivo (porque feito de células e tecidos), não tem proteção jurídica”[12]. Isto porque, como lembra Claus Roxin (2005, p. 11), “a vida vegetativa não é suficiente para fazer de algo um homem e com a morte encefálica termina a proteção à vida”.
3. Aborto
Para o Dicionário Aurélio, aborto é a “interrupção dolosa da gravidez, com expulsão do feto ou sem ela” (FERREIRA, 1999). Não há grande debate sobre a definição do que vem a ser aborto, mas a classificação do tema suscita muitas paixões e intermináveis controvérsias. A lição de Débora Diniz[13], na qual nos baseamos, parece a mais objetiva e sistemática.
Basicamente, podem-se reduzir as situações de aborto a quatro grandes grupos:
a) Interrupção eugênica da gestação (IEG): são os casos de abortos ocorridos em nome da eugenia, isto é, situações em que se interrompe a gestação por valores racistas, sexistas, étnicos, etc. Comumente, apontam-se os atos praticados pela medicina nazista como exemplo de aborto eugênico, quando as mulheres foram obrigadas a abortar por serem judias, ciganas ou negras. Regra geral, o aborto eugênico se processa contra a vontade da gestante, sendo esta obrigada a abortar;
b) Interrupção terapêutica da gestação (ITG): são os casos de abortos ocorridos em homenagem à saúde materna, isto é, em situações onde a interrupção da gravidez visa salvar a vida da gestante. Hoje em dia, com o avanço científico e tecnológico na medicina, os casos de aborto terapêutico são cada vez em menor número, sendo raras as situações terapêuticas que exijam tal procedimento;
c) Interrupção seletiva da gestação (ISG): são os casos de abortos ocorridos em virtude de anomalias fetais, isto é, situações em que se interrompe a gestação pela constatação de lesões fetais. Em geral, os casos que motivam as solicitações de aborto seletivo são de patologias incompatíveis com a vida extra-uterina, sendo exemplo clássico o da anencefalia;
d) Interrupção voluntária da gestação (IVG): são os casos de abortos ocorridos em nome da autonomia reprodutiva da gestante ou do casal, ou seja, onde a gestação é interrompida porque a mulher ou o casal não deseja a gravidez, seja por ser ela fruto de um estupro ou de uma relação consensual. Geralmente, a legislação que admite esta modalidade de aborto impõe limite cronológico à prática.
Com exceção do aborto eugênico, todas as outras formas de aborto, por princípio, levam em consideração a vontade da gestante ou do casal. O termo eugenia, entretanto, mais por uma estratégia de argumentação que por real correspondência, tem sido utilizado para descrever a corrente que defende a liberação do aborto de anencéfalos.
O término “seletivo” da gravidez (ISG), como explicado, ocorre no caso daquele feto que, devido a uma má formação fetal, faz com que a gestante ou o casal não deseje o prosseguimento da gestação. É certo que, neste caso, há uma seleção (como na eugenia), entretanto, ela foi feita com a concordância da gestante e em razão da impossibilidade da vida extra-uterina ou da qualidade de vida do feto depois do nascimento.
Dentro da definição de aborto seletivo (ISG), há a necessidade de se distinguir os casos em que o feto vai se tornar uma criança com deficiência, ou seja, com limitações à plenitude da vida, dos casos nos quais o feto não possui qualquer viabilidade para vida extra-uterina. O nascimento de uma pessoa com deficiência é merecedor de proteção legal plena, posto que se trata, aqui, de plena viabilidade para a vida. Saliente-se, inclusive, que as tais limitações da criança com deficiência podem ser mitigadas ou até superadas pelo tratamento adequado. A questão que se debate neste trabalho diz respeito às anomalias plenamente incompatíveis com a vida, onde a gestação é conduzida com a certeza absoluta da não sobrevivência. As conclusões deste trabalho não podem jamais ser estendidas ao abortamento para evitar o nascimento de crianças com deficiência.
Por fim, embora seja tema de capítulo posterior, é de se destacar que, no Brasil, o aborto apenas é permitido expressamente no caso de risco de vida para mãe (ITG) e no caso de gravidez resultante de estupro (IVG).
4. Dignidade da Pessoa Humana
Embora muitos doutrinadores considerem o direito à vida antecedente necessário de todos os demais direitos fundamentais, esta análise é de natureza puramente cronológica. O direito à vida, de nosso ponto de vista, é conseqüência lógica da dignidade da pessoa humana. Ou seja, é a condição de pessoa humana que confere ao ser a gama de direitos que compõe o conteúdo da dignidade, entre eles, o direito à vida.
Neste mesmo sentido, a Constituição Federal considerou a dignidade da pessoa humana fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III), sendo o princípio-valor fundamental segundo o qual devem ser interpretados todos os demais diretos.
Assim, antes mesmo de se falar em direito à vida, necessário compreender a dignidade da pessoa humana e seus caracteres principais.
4.1. Evolução da Concepção Atual da Dignidade
A construção da atual concepção do pensamento ocidental sobre a dignidade da pessoa humana deve seus primórdios à filosofia grega. A Grécia Antiga rompeu com a tradição de se dar explicações mitológicas às forças da natureza e criou um racionalismo baseado na observação para explicar os fenômenos naturais, enumerando uma série de leis e princípios necessários e universais. Além disso, os pensadores gregos estabeleceram que o homem é detentor da plena capacidade de compreender a natureza e seus fenômenos.
Rabenhorst (2001, p. 15) lembra a contribuição grega:
(...) uma das primeiras reflexões acerca do lugar do homem no mundo aparece na tragédia Antígona, de Sófocles (442 a.C.). Nela encontramos a idéia de que o homem é uma exceção dentro do conjunto da natureza: Muitos prodígios há; porém nenhum maior do que o homem (Antígona, v 332-335). O grande trágico grego vê, pois, no homem, uma clara superioridade com relação às outras espécies. Tal superioridade advém não apenas da quantidade de coisas que este ser é capaz de realizar, mas principalmente da qualidade de suas habilidades: ele sabe ensinar a si próprio, sabe cultivar a terra, domesticar animais, atravessar o mar...
Os gregos antigos acreditavam que os homens se distinguiam dos demais animais pelo uso da razão, ou seja, pela capacidade de compreender o mundo e de utilizar a lógica. A palavra grega logos, aliás, significava, entre outras coisas, o uso da razão e da linguagem. E era justamente na razão, na lógica, onde residia, para os gregos, a dignidade.
Importante ressaltar, entretanto, que a dignidade, para os gregos, não se manifestava da mesma forma para todos os indivíduos. Em Atenas, por exemplo, apenas os atenienses do sexo masculino, filhos de atenienses e no perfeito gozo de suas liberdades, possuíam cidadania e tinham assegurado o pleno exercício da palavra e a isonomia. Mulheres, escravos e estrangeiros eram considerados inferiores e não participavam da vida pública.
A dignidade (dignitas), pois, tinha relação com a posição social ocupada pelo indivíduo, sendo possível se falar em sua quantificação e modulação, sendo reconhecidos alguns homens como mais dignos que outros.
O pensamento estóico – como é conhecida a produção filosófica de Stoa (Pórtico) – apareceu no período da subjugação dos gregos pelos romanos e defendia que todos os homens são livres e iguais, já que neles se manifesta uma idêntica capacidade de pensar (logikós). Desta identidade concluíram os estóicos que todos os homens são membros de uma mesma comunidade (oikeiôsis) fraternal, sendo esta uma lei natural superior às leis artificiais do homem. Neste sentido, os estóicos repudiavam veementemente a escravidão como instituição social. Para eles, a única forma legítima de desigualdade entre os homens seria de natureza moral, havendo homens mais sábios ou virtuosos (sophoi) que outros, insensatos e escravos das paixões (phauloi).
Assim, na antiguidade, coexistiam as noções de dignidade moral (acepção estóica) e dignidade sociopolítica (no sentido de posição social e política ocupada pelo indivíduo).
Com o advento da doutrina cristã, passou-se a difundir a idéia de que o homem foi concebido à imagem e semelhança de Deus. Neste aspecto, todos os homens são iguais, portadores de um valor próprio que lhes é intrínseco. Além disso, o cristianismo passa a propor uma salvação pessoal baseada na escolha de cada um, na liberdade, no livre-arbítrio. A concepção cristã deslocou o foco da filosofia da sociedade como um todo para o indivíduo. A visão da dignidade perdeu a dimensão quantitativa que possuía no mundo antigo, deixando de ser uma honraria ou distinção decorrente da situação social do indivíduo, para adquirir uma dimensão qualitativa, no sentido de que nenhum indivíduo possuiria maior ou menor dignidade, mas todos manifestariam uma idêntica estrutura espiritual. Neste sentido, cada homem, não importando sua origem ou condição social, seria intrinsecamente valioso e indistintamente digno de respeito.
Ressalte-se que esta bela doutrina nem sempre foi efetivada na prática, negando a Igreja Católica, por vezes, a humanidade de índios e negros, por exemplo. Do mesmo modo, a Igreja Católica também legitimou todo o sistema de estratificação social do feudalismo, sistema este que evidentemente distinguia os homens.
Tomás de Aquino, que chegou a se referir expressamente à dignitas humana, procurou conjugar a doutrina cristã e a acepção estóica da dignidade clássica. Para o pensador, quando Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, dotou-o de razão, qualidade peculiar que lhe permite construir sua vida de forma livre e independente. Esta capacidade de autodeterminação inerente à natureza humana, para Tomás de Aquino, é o fundamento da dignidade da pessoa humana.
No âmbito do pensamento jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII, a concepção da dignidade da pessoa humana passou por um processo de racionalização e laicização, mantendo-se, todavia, a noção de que todos os homens são iguais em dignidade e liberdade.
Segundo Locke, cada indivíduo é circundado por um perímetro de não-interferência intransponível ao controle social. Esta área de não-interferência é disposta pelos indivíduos como um direito natural e é transferida ao Estado por meio de um pacto social. Não existiria, portanto, qualquer diferença natural entre os indivíduos, contudo, para assegurar esta igualdade em uma sociedade civil, os homens fazem uso de um pacto que formaliza os direitos que eles naturalmente possuem e os tornam efetivos por meio da coerção.
Para Immanuel Kant, a natureza racional do ser humano lhe confere autonomia da vontade, ou seja, a faculdade de determinar a si mesmo e agir (ou não) em conformidade com as normas. Esta característica, apenas encontrada no homem, constitui-se fundamento da dignidade da pessoa humana. Com base nesta premissa, Kant (1980, p. 140) sustenta:
(...) o Homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente como um fim... Portanto, o valor de todos os objetos que possamos adquirir pelas nossas ações é sempre condicional. Os seres cuja existência depende, não em verdade da nossa vontade, mas da natureza, têm contudo, se são seres irracionais, apenas um valor relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao passo que os seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, quer dizer, como algo que não pode ser empregado como simples meio e que, por conseguinte, limita nessa medida todo o arbítrio (e é um objeto de respeito).
A acepção de dignidade da pessoa humana elaborada por Kant prevalece na doutrina jurídica mais expressiva – nacional e estrangeira, muito embora sofra alguma crítica por seu exagerado antropocentrismo.
Existe uma significativa diferença entre a visão cristã e a concepção kantiana da dignidade humana. Ambas atribuem uma dignidade intrínseca ao homem em função da posição que este ocupa no mundo, entretanto, enquanto que, para a perspectiva cristã, a dignidade se justifica pela representação divina do homem, para Kant, a dignidade se alicerça na própria autonomia do sujeito, ou seja, na capacidade humana de se submeter às leis oriundas de sua potência legisladora e de formular um projeto de vida de forma consciente e deliberada.
Sartre rejeita a idéia de natureza humana intrínseca. Para ele, o homem primeiro existe, para depois ter sua essência, pelo que, o seu futuro está inteiramente por construir e sob sua responsabilidade. O homem, então, nada mais é que o que ele faz de sua própria vida, só existindo na medida em que se realiza. Assim, para Sartre, a dignidade da pessoa humana não é inata, ao contrário, reside justamente no fato de sua existência estar toda por construir. Ao contrário das coisas, que já possuem uma existência predeterminada, o homem tem plena liberdade para fazer-se. Aí reside a sua dignidade.
Cumpre destacar ainda a noção desenvolvida por Hegel, sustentando que a dignidade consiste em uma qualidade a ser conquistada. A dignidade de Hegel é centrada na idéia de eticidade, de tal sorte que o homem não nasce digno, mas torna-se digno a partir do momento que assume sua condição de cidadão.
Para Hannah Arendt, por fim, a dignidade da pessoa humana representa um conjunto de direitos inerentes ao homem que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado. A autora, ao analisar o fenômeno totalitário, percebeu que, neste tipo de estado, criam-se as condições para que se considerem os homens supérfluos, subtraindo sua condição humana. Para evitar a formação deste tipo de estado e a conseqüente coisificação do homem, sugere a autora o pleno exercício da liberdade e da palavra, de forma a possibilitar o pleno desenvolvimento das potencialidades humanas. A constitucionalização do valor-fonte da dignidade da pessoa humana sob a forma de princípio em diversas Constituições mundiais decorre diretamente do pensamento de Hannah Arendt.
4.2. Tentativa de Conceituação e Caracteres
Segundo afirma Ingo Wolfgang Sarlet (2004, p. 39), é questionável a viabilidade de se alcançar um conceito satisfatório do que significa a dignidade da pessoa humana. Esta dificuldade decorre, conforme exaustiva e correntemente destacado na doutrina, do fato de que se trata aqui de conceito de contornos vagos e imprecisos, caracterizado por sua ambigüidade e porosidade, bem como por sua natureza polissêmica. Trata-se, pois, de conceito jurídico indeterminado, ou seja, no dizer de karl English (1983, p. 208), “um conceito cujo conteúdo e extensão são em larga medida incertos”.
Cabe ressaltar que não é só o conceito de “dignidade da pessoa humana” que apresenta certa indeterminação. A própria significação dos termos “humano” e “pessoa” apresentam alguma fluidez. Para o Dicionário Aurélio (FERREIRA, 1999), estes termos significam o seguinte:
Humano (do lat. humanu) Adj. 1. Pertencente ou relativo ao homem; natureza humana; gênero humano. 2. Bondoso, humanitário.
Pessoa (do lat. persona) s.f. 1. Homem ou mulher. 2. V personagem. 3.V. individualidade. 4. (...). 5. Filos. Cada ser humano considerado na sua individualidade física ou espiritual, portador de qualidades que se atribuem exclusivamente à espécie humana, quais sejam, a racionalidade, a consciência de si, a capacidade de agir conforma fins determinados e o discernimento de valores. 6. Jur. Ser ao qual se atribui direitos e obrigações.
Assim, importante deixar claro que, ao falarmos de dignidade da pessoa humana, estamos nos referindo tão somente aos integrantes da raça humana. Não há que se falar, pois, de dignidade da pessoa humana de animais ou plantas, por exemplo. Por mais óbvia que pareça esta afirmação, ela é importante para dar um ponto de partida seguro à nossa tentativa de conceituação.
A palavra "pessoa", por outro lado, deriva do latim persona, e surgiu no cenário grego como máscara dos atores e, aos poucos, passou a significar o conjunto de traços acusadores de certo tipo de indivíduo. Foi com esse significado que a palavra se introduziu na linguagem filosófica, pelo estoicismo popular, para designar os papéis representados pelo homem na vida social. Segundo Locke, pessoa "é um ser inteligente e pensante que possui razão e reflexão, podendo observar-se (ou seja, considerar a própria coisa pensante que ele é) em diversos tempos e lugares; e isso ele faz somente por meio da consciência, que é inseparável do pensar e essencial a ele" (PEREIRA, p. 153-155). Pessoa humana, pois, é cada integrante da raça humana, caracterizada essa, entre outras coisas, pela racionalidade, pela consciência de si mesmo, pela capacidade de agir conforme fins determinados e pela capacidade de atribuir valores.
A razão, como se pode observar, é elemento essencial da definição de pessoa. Entretanto, vale salientar que esta razão deve ser considerada em abstrato, como sendo a capacidade que cada ser humano tem de ser racional, ainda que, no caso concreto, esta potencialidade não se realize. É o caso dos insanos, dos comatosos, entre outros.
No uso da sua singular racionalidade, o direito é, sem dúvida, uma das maiores realizações do homem. Através de uma complexa valoração, o ser humano estabeleceu normas de convivência social, positivou as mais importantes e criou um sistema organizado para exigir o seu cumprimento. O homem criou as leis e possui a força necessária para fazê-las cumprir. Neste sentido – e em outros mais – o ser humano é um animal singular.
Conscientizando-se de sua singularidade, o homem passou a acreditar ser merecedor de uma proteção especial e devedor de uma conduta irrepreensível. A este conjunto de direitos e deveres fundamentais, destinados a preservar o homem como algo especial, deu-se o nome de dignidade da pessoa humana. Assim, não há que se falar em dignidade inata, já que não se trata de dado ôntico, que existe na natureza. Trata-se de uma convenção social. A dignidade da pessoa humana é um conceito criado pelo homem e que depende de uma fé, de uma crença de que o ser humano é superior aos demais animais e merecedor desta distinção. O homem possui dignidade porque ele diz que a tem e possui a força para fazer valer o que foi dito.
Neste sentido, Rabenhorst (2001, p. 46):
(...) assumamos que a dignidade humana não é uma propriedade observável e que, como tal, não pode ser provada ou negada sobre bases meramente fáticas. Isto significa que ela seria apenas uma ideologia criada pela visão de mundo ocidental? Não necessariamente. Ela pode significar, também, que a idéia de que todos os homens são indistintamente dignos repousa em um conjunto de crenças morais que não podem ser plenamente justificadas. Essas crenças, escreve o filósofo canadense Charles Taylor, se agregam em torno do sentido de que a vida humana deve ser respeitada e de que as proibições que isso nos impõe contam-se entre as mais ponderáveis e sérias de nossa vida.
Embora exista – em um determinado momento e lugar – a crença de que o homem é portador de uma certa dignidade, isto não quer dizer que esta fé seja reconhecida pela legislação respectiva e, por sua vez, mesmo que seja ela reconhecida, isto não quer dizer que todo o conteúdo da dignidade da pessoa humano seja efetivado a todos. A crença, a positivação e a efetivação de seu conteúdo são etapas do desenvolvimento da dignidade da pessoa humana.
O conteúdo da dignidade da pessoa humana, por sua vez, segundo Ingo Wolfgang Sarlet (2004, p. 60) implica em “um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”.
A dignidade da pessoa humana, justamente por se tratar de uma crença social, jamais poderá ser conceituada de maneira fixista, o que não se harmonizaria com o pluralismo e a diversidade de valores que se manifestam nas diversas sociedades contemporâneas e ao longo do tempo. Trata-se, pois, especialmente em relação ao seu conteúdo, de um conceito em permanente processo de construção e desenvolvimento.
Com relação ao momento do surgimento e do desaparecimento do titular da dignidade da pessoa humana, existem sérias controvérsias. Entretanto, partindo do pressuposto que a racionalidade e a consciência de si mesmo, bem como a capacidade de agir conforme fins determinados e atribuir valores são características definidoras da humanidade, poderíamos conceber que a pessoa humana surge com o nascimento – já que o feto é um ser humano ainda em construção – e desaparece com a morte, seja ela propriamente dita ou cerebral. O feto e o cadáver não são capazes de razão, de autoconsciência ou autodeterminação. O feto pode vir a ser uma pessoa e o cadáver foi uma pessoa. Nem um nem o outro é pessoa.
Vale ressaltar, por outro lado, que o feto e o cadáver possuem dignidade. Mas trata-se de uma dignidade relativa, em homenagem ao que o feto pode vir a ser e ao que o cadáver foi. Assim, parte da proteção dada ao ser humano é estendida ao feto e ao cadáver, entretanto, este fato nunca pode suplantar o dever do Estado de proteger o ser humano e sua dignidade.
No Brasil, a dignidade da pessoa humana constitui fundamento do Estado democrático de Direito, previsto no artigo 1.º, inciso III da Constituição Federal. O constituinte de 1988, assim a posicionando, alçou a dignidade da pessoa humana à condição de princípio e valor fundamental.
5. Direito à Vida
A palavra vida (do latim vita) é conceituada no Dicionário Aurélio (FERREIRA, 1999) da seguinte forma:
Conjunto de propriedades e qualidades graças às quais animais e plantas, ao contrário dos organismos mortos ou da matéria bruta, se mantêm em contínua atividade, manifestada em funções orgânicas tais como o metabolismo, o crescimento, a reação a estímulos, a adaptação ao meio, a reprodução, e outras; existência; o estado ou condição dos organismos que se mantêm nessa atividade desde o nascimento até a morte; o espaço de tempo que decorre desde o nascimento até a morte.
(grifo nosso)
No mesmo sentido, para o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, a vida, entre outras acepções é “o período de um ser vivo compreendido entre o nascimento e a morte”.
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, aprovado pela XXI sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, reza que “O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei, ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida”. (Parte III, art. 6).
O Art. 5º, caput da Constituição Federal de 1988, assegura a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, o direito à vida. Diz a carta Magna:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Segundo a Constituição Federal, para ser brasileiro é necessário que se tenha nascido com vida. Além deste pré-requisito, o art. 12 CF estabelece que:
São brasileiros: I - natos: a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país; b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil; c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira; II - naturalizados: a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral; b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.
(grifo nosso)
O estrangeiro, por outro lado, é todo aquele que não é nacional. É a pessoa humana nascida com nacionalidade[14] diversa. Assim, seja brasileiro ou estrangeiro, só possui direito à vida quem com ela já nasceu.
Neste sentido, Pontes de Miranda (1971, págs 14-29) assevera que “o direito à vida é inato; quem nasce com vida, tem direito a ela”.
O direito à vida, pois, já que inerente à pessoa humana, surge com o nascimento e finda com a morte. Trata-se de dado ôntico, de direito baseado na realidade. Antes surge a vida da pessoa humana, depois, seu direito à vida. Correndo o risco da redundância, é de se concluir que só tem direito à vida a pessoa humana que já nasceu e que, portanto, já vive.
Observe-se que não se está defendendo que o feto não é um ser vivo ou que seja ele uma coisa. O feto não é vida humana, mas ser que possui potencialidade para a vida humana. O feto também não é uma coisa, mas ainda não é uma pessoa, posto que seu potencial ainda não se realizou. Assim, o termo inicial da aquisição do direito à vida é o nascimento, quando surge a pessoa humana.
Por tudo isso, não há que se falar em direto à vida do nascituro, posto que ainda não se trata de pessoa humana, não ocorreu o fato que fará surgir seu direito à vida, ou seja: o nascimento. O Estado, entretanto, tem interesse que o feto nasça, realizando seu potencial e passando a ser titular do direito à vida e da dignidade da pessoa humana.
6. Princípio da Lesividade
Dentre os princípios constitucionais não formalizados que informam e orientam a atuação do Direito Penal, destaca-se o da lesividade (ou ofensividade ou danosidade), segundo o qual, só interessa ao Estado fazer uso do jus puniendi quando houver lesão efetiva a bens jurídicos penalmente relevantes. Ao Direito Penal somente interessa a conduta que implique dano relevante aos bens jurídicos essenciais à coexistência social pacífica. Assim, em função do princípio da lesividade, é vedada a incriminação de condutas que não excedam o âmbito do próprio autor (BATISTA, 2001, pág. 92), tão-somente por serem imorais ou pecaminosas.
Desta forma, somente pode ser objeto de punição jurídica o comportamento que lesione direitos de outras pessoas. Não está o Direito Penal legitimado a impor padrões de conduta às pessoas apenas porque é mais conveniente, ou adequado. O objeto de proteção do Direito Penal é o bem jurídico relevante. O que se aspira é evitar ou punir a conduta que implique dano relevante a este bem jurídico.
Em resumo: se o bem jurídico protegido pela norma incriminadora não for atingido pela conduta do agente, não há crime.
7. Princípio da Proporcionalidade
A origem e a evolução da teoria da proporcionalidade encontram-se intrinsecamente ligados à evolução dos direitos e garantias individuais da pessoa humana, quando surgiram na Inglaterra as teorias jusnaturalistas que pregavam ter o homem direitos inerentes e anteriores ao aparecimento do Estado. Estes direitos deveriam ser respeitados por todos, inclusive pelo soberano. Pode-se afirmar que é durante a passagem do Estado Absolutista – em que o governante tem poderes ilimitados – para o Estado de Direito, que, pela primeira vez, emprega-se o princípio da proporcionalidade, visando a limitar o poder de atuação do monarca face aos súditos (CANOTILHO, 1998, pág. 260).
Coube à Alemanha a formulação atual da teoria da proporcionalidade (Verhaltnismassigkeitsprinzip) em âmbito constitucional. Embora os direitos fundamentais já houvessem sido postos em relevo pela Constituição de Weimar, foi após o fim da Segunda Guerra Mundial que os tribunais começaram a proferir sentenças nas quais afirmavam não ter o legislador poder ilimitado para a formulação de leis tendentes a restringir direitos fundamentais (STEINMETZ, 2001, pág. 140). A promulgação da Lei Fundamental de Bonn representa, assim, marco inaugural do princípio da proporcionalidade em âmbito constitucional, ao colocar o respeito aos direitos fundamentais como núcleo central de toda a ordem jurídica.
O princípio da proporcionalidade terminou por ser dividido em três subprincípios, quais foram, a adequação (a), a necessidade (b) e a proporcionalidade em sentido estrito (c).
O primeiro (a) traduz uma exigência de compatibilidade entre o fim pretendido pela norma e os meios por ela enunciados para sua consecução. Trata-se do exame de uma relação de causalidade, onde uma lei somente deve ser afastada por inidônea quando absolutamente incapaz de produzir o resultado perseguido.
A necessidade (b) diz respeito ao fato de ser a medida restritiva de direitos indispensável à preservação do próprio direito por ela restringido ou a outro em igual ou superior patamar de importância, isto é, na procura do meio menos nocivo capaz de produzir o fim propugnado pela norma em questão. Traduz-se este subprincípio em quatro vertentes: exigibilidade material (a restrição é indispensável), espacial (o âmbito de atuação deve ser limitado), temporal (a medida coativa do poder público não deve ser perpétua) e pessoal (restringir o conjunto de pessoas que deverão ter seus interesses sacrificados).
Por último, o sub-princípio da proporcionalidade em sentido estrito (c) diz respeito a um sistema de valoração, na medida em que ao se garantir um direito muitas vezes é preciso restringir outro, situação juridicamente aceitável somente após um estudo teleológico, no qual se conclua que o direito juridicamente protegido por determinada norma apresenta conteúdo valorativamente superior ao restringido.
8. Crime de Aborto
Não se trata, aqui, de se fazer um profundo estudo sobre crime de aborto. Para os limites deste trabalho, entretanto, faz-se necessário que sejam feitas algumas considerações sobre o tema, principalmente sobre o sujeito passivo e a objetividade jurídica do delito.
Aborto, como já especificado, é a interrupção do processo da gravidez, com a morte do feto. O Código Penal pune o abortamento, podendo ser apontadas seis condutas específicas: a) aborto provocado pela própria gestante ou auto-aborto (art. 124, 1a parte); b) consentimento da gestante a que outrem lhe provoque o abortamento (art. 124, 2a parte); c) aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante (art. 125); d) aborto provocado por terceiro com o consentimento ou consensual (art. 126); e) aborto qualificado (art. 127); e f) aborto legal (art. 128), que não é crime.
Existe grande controvérsia acerca de qual seria a objetividade jurídica e quem seria o sujeito passivo do crime de aborto. Para Damásio de Jesus (2001, pág 414), a objetividade jurídica do aborto é a vida da pessoa humana e o sujeito passivo é o feto. Entretanto, salienta o autor que, no caso do aborto provocado sem o consentimento da gestante, haveria dupla objetividade jurídica, protegendo o Direito Penal também a incolumidade física e psíquica da gestante. Conseqüentemente, haveriam dois sujeitos passivos: o feto e a gestante. Discordando dessa opinião, Mirabete (1999, pág 685) afirma que o “Sujeito passivo é o Estado, interessado no nascimento, e não o feto, ou seja, o produto da concepção, que não é titular de bens jurídicos, embora a lei civil resguarde os direitos do nascituro.
Os autores que compartilham da posição defendida por Damásio de Jesus baseiam-se na posição do tipo legal no Código Penal, no fato dele se encontrar dentro do capítulo dos crimes contra a vida. Assim, se o Código Penal protege a vida do feto, ele é detentor de bens jurídicos e pode, concluem estes autores, ser sujeito passivo de delito.
Esta opinião, embora respeitável, carece de uma visão sistemática da legislação brasileira e parte de falsas premissas. Em primeiro lugar, como já exaustivamente demonstrado, a Constituição Federal garante o direito à vida do brasileiro a partir do nascimento, e não da concepção. Aliás, os direitos e garantias fundamentais são previstos apenas pra os brasileiros e estrangeiros, sendo que a nacionalidade se adquire apenas com o nascimento, enquanto que, ao feto não houve previsão de qualquer bem jurídico. Em segundo lugar, a propalada proteção aos direitos do nascituro ocorre exclusivamente no âmbito do Direito Civil e apenas no que se refere às questões patrimoniais[15]. Mesmo assim, esta proteção é condicionada ao nascimento com vida. Em terceiro lugar, o feto não pode ser chamado de pessoa humana, como o faz Damásio de Jesus, já que, para ser chamado de pessoa, faz-se necessário o nascimento com vida. Patente, pois, que nossa legislação não tem o feto como sujeito de direitos, não podendo ele ser sujeito passivo de ato criminoso.
O feto, como já explicado, não possui dignidade da pessoa humana, entretanto, possui uma dignidade relativa, já que, potencialmente, tornar-se-á uma pessoa com o nascimento. É neste sentido que o Estado possui interesse em proteger o feto, sendo aquele o verdadeiro sujeito passivo do crime de aborto. A gestante, por sua vez, quando o aborto é realizado sem seu consentimento, também seria considerada como sujeito passivo do delito, já que possui interesse tanto no nascimento de seu filho como na manutenção de sua integridade física.
Com relação à objetividade jurídica, é necessário esclarecer que a vida protegida pelo Código Penal também é a da pessoa humana. Não há crime de homicídio, por exemplo, em se tirar a vida de uma planta ou um animal. Da mesma forma, já que um feto não é uma pessoa, não é possível punir a interrupção de uma gravidez pelo art. 121 do CP (homicídio). O tipo aborto foi criado para proteger a potencialidade que possui o nascituro de ser uma pessoa. A razão de ser da criminalização do aborto é, então, proteger a dignidade relativa do feto, para que ela se torne, com o nascimento, plena dignidade da pessoa humana. Ou, como diria Rogério Greco (2005, pág. 275), a objetividade jurídica do crime de aborto “é a vida humana em desenvolvimento”. Acrescente-se, entretanto, ser necessária uma mínima possibilidade da realização do potencial que possui o feto de se tornar uma pessoa humana.
Vale lembrar também que, em duas hipóteses diferentes, o legislador declara lícito o aborto, excluindo a antijuridicidade nos casos de: a) aborto necessário e b) aborto sentimental. O aborto necessário, também conhecido por terapêutico, é o aborto praticado quando não há outro meio de salvar a vida da gestante. O aborto sentimental, também denominado ético ou humanitário, é permitido no caso de gravidez resultante de estupro.
Para os que entendem que a objetividade jurídica do aborto é a vida, ambos os casos de aborto legal são inconstitucionais: o aborto necessário, porque o legislador sobrepõe a vida da mãe à do feto – apesar de serem bens jurídicos idênticos –, e o aborto sentimental, porque o Código Penal sacrifica direito fundamental – a vida – em homenagem à higidez mental da gestante.
9. Conclusões
De posse de todas estas considerações, é possível formular uma teoria laica sobre o abortamento do feto anencéfalo.
Inicialmente, convém traçar um paralelo sobre a posição jurídica dos dois extremos da vida humana: o feto (aqui considerado genericamente do ovo até antes do nascimento) e o cadáver. O feto e o cadáver não possuem dignidade da pessoa humana (já que pessoas humanas não são), entretanto, possuem uma dignidade relativa. O feto pelo que ele pode vir a ser e o cadáver pelo que foi.
O Estado não criminalizou o aborto em homenagem ao direito à vida, mas para proteger a dignidade relativa do feto, ou seja, a sua potencialidade de adquirir direito à vida e se tornar uma pessoa humana com o nascimento. Em sentido inverso, a vilipendiação de cadáver[16] também é crime, mas em proteção à sua dignidade a posteriori.
Entretanto, quando o direito à vida (aborto terapêutico) ou à dignidade (aborto sentimental) da gestante está em risco, o abortamento é permitido. A vilipendiação de cadáver, por sua vez, desde que para fins científicos ou educacionais, é admitido. Pela aplicação do princípio da proporcionalidade, pela ponderação dos bens jurídicos em conflito, é fácil perceber o acerto da legislação. É que o pode ser (o feto) ou o que foi (o cadáver) jamais pode prevalecer sobre o que é (a pessoa humana). A gestante e o estudioso da medicina possuem direito à vida e dignidade da pessoa humana em suas formas plenas. O feto e o cadáver não.
Utilizando essas conclusões como ponto de partida, desta feita partindo para o objetivo deste trabalho, resta avaliar a situação legal do abortamento voluntário quando se tratar de feto portador da anomalia genética denominada anencefalia.
O feto anencéfalo pode ser considerado portador de morte neocortical (high brain criterion), já que não possui a parte da estrutura cerebral responsável pela existência da consciência e que implicam na cognição, na percepção, na comunicação, na afetividade. Estas, como se sabe, são as características definidoras da pessoa humana. Muito embora em alguns poucos casos a vida extra-uterina seja possível – por um curto período e dependendo do suporte tecnológico disponível – jamais o feto anencéfalo se tornará uma pessoa humana[17]. Se não existe viabilidade de vida humana, não há que se falar em dignidade sequer relativa.
Por outro lado, se o crime de aborto tem por objetividade jurídica proteger a dignidade relativa do feto, a potencialidade de vida humana, e o portador da anencefalia não possui esta dignidade, esta potencialidade, é de se concluir que, no caso do abortamento do feto anencéfalo, não existe lesão ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal. Não havendo lesividade, não há que se falar em crime: é fato atípico.
Mesmo em se considerando o feto anencéfalo portador de algum tipo de dignidade relativa, é de se ponderar que a continuação de uma gravidez inviável não pode ser imposta à gestante, portadora esta de uma dignidade plena, em homenagem a um feto sem qualquer possibilidade de se tornar uma pessoa humana. Para se chegar a esta conclusão, através da aplicação do princípio da proporcionalidade, é de se considerar a ausência de consciência do feto anencéfalo – ou seja, o fato de não haver possibilidade de sofrimento no abortamento – e a extrema dor psicológica da gestante confrontada com um diagnóstico de anencefalia.
Assim, proibir o abortamento no caso de anencefalia por motivos puramente religiosos é inadmissível em um Estado laico. Com a permissão, cada um pode agir de acordo com suas crenças. Com a proibição, a fé de alguns é imposta a todos, constituindo tratamento desumano e inadmissível tortura psicológica.
Neste sentido foi o belo voto do Ministro Carlos Ayres Brito, proferido nos autos da supracitada ADPF 54/DF:
(...) Quero dizer: o crime deixa de existir se o deliberado desfazimento da gestação não é impeditivo da transformação de algo em alguém. Se o produto da concepção não se traduzir em um ser a meio caminho do humano, mas, isto sim, em um ser que de alguma forma parou a meio ciclo do humano. Incontornavelmente empacado ou “sem qualquer possibilidade de sobrevida” (ainda uma vez, locução tomada de empréstimo à mesmíssima resolução do CFM), por lhe faltar as características todas da espécie. Uma crisálida que jamais, em tempo algum, chegará ao estádio de borboleta. O que já importa proclamar que se a gravidez “é destinada ao nada” -- a figuração é do ministro Sepúlveda Pertence -, sua voluntária interrupção é penalmente atípica. Já não corresponde ao fatotipo legal, pois a conduta abortiva sobre a qual desaba a censura legal pressupõe o intuito de frustrar um destino em perspectiva ou uma vida humana in fieri. Donde a imperiosidade de um conclusivo raciocínio: se a criminalização do aborto se dá como política legislativa de proteção à vida de um ser humano em potencial, faltando essa potencialidade vital aquela vedação penal já não tem como permanecer. Equivale a dizer: o desfazimento da gravidez anencáfala só é aborto em linguagem simplesmente coloquial, assim usada como representação mental de um fato situado no mundo do ser. Não é aborto, contudo, em linguagem depuradamente jurídica, por não corresponder a um fato alojado no mundo do dever-ser em que o Direito consiste. (...)
(grifo nosso)
Concluindo, não restam dúvidas de que o abortamento do feto anencéfalo não é crime, sendo caso de atipicidade da conduta pela ausência de lesividade ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal aborto.
10. Obras Consultadas
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[1] Advogado, especialista em Direito Constitucional e Financeiro pela UFPB e especializando em Direito Processual Penal pela FESMP-RN. E-mail: manuelsabino@uol.com.br.
[2] Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7538>.
[3] Como visto em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Aspectos_controversos_do_Catolicismo#A_Igreja_e_o_Conhecimento_Cient.C3.ADfico>
[4] Como visto em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Aspectos_controversos_do_Catolicismo>
[5] Informação interessante dá conta de que as mesmas bulas papais que rejeitaram o aborto também condenaram a utilização de métodos contraceptivos (como a pílula ou a camisinha dos dias atuais).
[6] “Então Javé Deus modelou o homem com a argila do solo, soprou-lhe nas narinas um sopro de vida, e o homem tornou-se um ser vivente” (Gênesis, 2:7).
[7] “Porque o sangue é a vida da carne, e esse sangue eu lhes dou para fazer o rito da expiação sobre o altar, pela vida de vocês; pois é o sangue que faz a expiação pela vida” (Levítico, 17:11).
[8] “Numa briga entre homens, se um deles ferir uma mulher grávida, e for causa de aborto sem maior dano, o culpado será obrigado a indenizar aquilo que o marido dela exigir, e pagará o que os juízes decidirem. Contudo, se houver dano grave, então pagará vida por vida, olho por olho, dente por dente, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe”. (êxodo, 21: 22-25)
[9] Como visto em: <http://www.espiritnet.com.br/Abertura/Ano2001/dilema.htm>
[10] Disponível em: <http://64.233.179.104/search?q=cache:-yNSSHJXO9YJ:www.diariodenatal.com.br/materia.php%3Fidmat%3D122638%26idsec%3D95+anencefalia+aborto+pesquisa+%25+cat%C3%B3licos+ibope&hl=pt-BR>
[11] Número de ocorrências em busca realizada no www.google.com.br , em 22/12/2005, dos termos “anencefalia” e “aborto”. Convém destacar, entretanto, que o referido site, muito embora considerada a melhor ferramenta de busca à disposição na Internet, alcança uma pequena parte da Rede Mundial, sendo estimado que existem cerca de cinqüenta vezes mais páginas do que ele seja capaz de encontrar (VEJA, 2004, p. 69).
[12] Disponível em: < http://conjur.estadao.com.br/static/text/24423,2>.
[13] Debora Diniz é antropóloga, ganhadora do prêmio Manuel Velasco Suarez de Bioética (OPS/OMS) e diretora da Feminist Approaches to Bioethics Network.
[14] “A nacionalidade primária, ou original, está vinculada ao nascimento do indivíduo sendo, portanto, involuntária. Este tipo de nacionalidade está baseado em dois tipos jurídicos: ius solis que consiste no direito de adquirir a nacionalidade através do simples nascimento em território pátrio e o ius sanguinis, que consiste no vínculo sangüíneo com a pátria, ou,ainda, o critério misto”. (VALÉRIO, Marco Aurélio Gumieri. O direito de nacionalidade no ordenamento jurídico brasileiro e comparado . Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 56, abr. 2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2866>. Acesso em: 31 dez. 2004).
[15] “Art. 2o CC - A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.
[16] Art. 212 do Código Penal.
[17] Vale ressaltar que esta situação é bem diferente da do feto portador de alguma má formação congênita que implicará em uma possível deficiência. Em primeiro lugar, porque o deficiente possui a parte do cérebro responsável pela consciência, sendo que ele apenas não consegue acessar esta habilidade de forma plena. Em segundo lugar, porque o feto anencéfalo não pode viver fora do útero sem ajuda mecânica, situação totalmente diversa da do deficiente.

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