quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Rosivaldo Toscano Jr em 26/10/2010: "Sobre inquéritos, denúncias e miopia..."


A foto acima diz respeito a uma ação penal por dano ao patrimônio público que me chegou para receber ou não a denúncia hoje. Os dois círculos amarelos representam os locais em que o portão de um Posto de Saúde foi chutado por um indivíduo. Quer saber o que tem isso a ver com a miopia? Leia o post...  

Hoje pela manhã, a convite da Corregedoria de Justiça, fui a uma reunião sobre segurança pública. Estavam presentes, além do nosso Corregedor, a Corregedora do Ministério Público, oito juízes criminais, um Promotor de Justiça que atua na Central de Inquéritos, os Secretários Estaduais da Segurança Pública e do Interior e Justiça, as cúpulas das polícias Civil e Militar e o procurador Geral do Estado. Foi uma excelente iniciativa, pois pudemos discutir a questão sob vários ângulos. E ficou clara a intenção dos presentes em melhorar o sistema como um todo. Em determinado momento pedi a palavra e dei minha opinião.

Contei da minha indignação com a nossa falta de estratégia na seara penal. E esse estado de coisas não dizia respeito ao RN, mas sim fazia parte de um modelo míope de enfrentamento da criminalidade. 
 
Disse que tivemos reconhecidos avanços e que tudo faz parte de um processo que eu diria até histórico, mas o planejamento para o enfrentamento da questão ainda era deficiente, e por isso a investigação das infrações penais não poderia refletir diversamente. Na prática ou havia a prisão em flagrante ou dificilmente a investigação seria bem-sucedida. E como  a organização era deficitária e nem havia estrutura adequada dos Órgãos de auxílio (leia-se de perícia), mesmo nos casos de flagrante somente os mais simples (ou os que chamassem a atenção da opinião pública) eram acabavam tendo  melhor sorte. Contei que estava cansado de receber inquéritos e denúncias por furtos de dois quilos de carne, de oito barras de chocolate, de um par de sandálias Havaianas, de um litro de Old Eight, de vinte e uma calcinhas que custavam três reais cada ou de um pedaço de ferro. Estava cansado de investigações de crimes de dano por arranhão em um orelhão, chamuscamento de parede ou estouro de cano de uma cela. Enquanto isso, centenas de inquéritos em crimes graves, incluindo homicídios e crimes econômicos, sofriam dificuldade de andamento.  Expressei minha opinião: teríamos que mudar o modelo. Já que não tínhamos estrutura para lidar com tudo, que déssemos prioridade aos casos de maior impacto - criminalidade organizada e econômica -, sob pena de terminarmos assoberbados e atuando somente nos casos que pouco resultado social ancançaria.
 
Embora seja adepto da criminologia crítica e saiba que o sistema penal só funciona mesmo de forma seletiva e discriminatória, perseguindo e punindo os mais pobres, distantes do poder, não deixei de me indignar quando, duas horas depois, ao despachar no meu gabinete, deparei-me com dois fatos. Em um inquérito investigando o homicídio de um recém nascido, parado na Promotoria de Investigações Criminais desde dezembro do ano passado, uma das promotoras que lá atuava pediu novo prazo para analisar o caso, pois estava assoberbada de trabalho e sem condições de dar uma cota, mesmo em se tratando de caso tão grave. Pensei na família do bebê, há quase um ano  aguardando... o nada. Era a segunda vez que os autos voltavam com a mesma manifestação do MP. Despachei-o informando que deveria ocorrer a devolução dos autos o quanto antes, com pedido de arquivamento ou de diligências, pois não tinha cabimento aquela paralisação.
 
No processo seguinte a ser despachado, eis que me vem uma denúncia de um acusado que teria chutado e amassado a grade de um portão de ferro de um Posto de Saúde. O irrisório dano está na foto em preto e branco acima. Obviamente, absolvi-o sumariamente.
Enquanto isso, casos graves envolvendo a criminalidade econômica, corrupção e crime organizado terminam, na prática, ficando em segundo plano diante das situações corriqueiras e de pequeno impacto social. Não seria isso uma miopia, uma falta de estratégia para o enfrentamento prioritário das grandes questões?

 
Eis um trecho da sentença de absolvição sumária antecipada:
 
"O mais gritante nessa situação toda é o fato de que na data de hoje me reuni com os Corregedores da Justiça e do Ministério Público, com juízes e promotores com atuação destacada na seara penal, com os Secretários Estaduais da Segurança Pública e do Interior e Justiça, com as cúpulas das polícias Civil e Militar e com o procurador Geral do Estado, para tratarmos do problema da segurança pública. Não é mais admissível que tenhamos somente na Zona Norte da cidade 300 homicídios sem solução e que não haja estrutura mínima de trabalho para os delegados responsáveis. Ademais, tenho vários inquéritos envolvendo homicídios parados há meses (hoje recebi mais uma cota ministerial solicitando mais tempo para analisar uma investigação sobre uma suspeita de homicídio de um recém-nascido - com o MP há 11 meses em razão de alegar excesso de trabalho). Enquanto isso, tenho nesse caso uma série de depoimentos, a atuação do MP e do ITEP (e com feitura de laudo!), para investigar o amasso da grade de um portão."
 
A íntegra da sentença se encontra aqui

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