Rosivaldo é um juiz incrível e uma pessoa humana ainda melhor, mas também pode ser definido como um exímio contador de histórias. Seu livro "O Escultor da Alma" é uma mistura do "Risoto ao queijo brie com presunto de parma" de Claude Troisgros (um show de sensações gustativas) com o "Fettuccini da casa" no Alfredo di Roma (ninguém consegue para de comer até acabar).
Em seu excelente blog, está ele agora contando as desventuras de Legisnaldo Penalício da Silva, um estudante de Direito e seu vade mecum inseparável. Apesar de impagáveis, qualqur semlhança entre suas histórias e a vida real NÃO é mera concidência.
Surrupiei os excelentes textos abaixo na maior cara-de-pau.
Da Série Paradoxos Penais - I
Legisnaldo é um estudante de direito e está guiando seu carro. Imprudentemente, conversa ao telefone celular. Termina perdendo o controle do carro, subindo a calçada e atropelando um pedestre. A vítima, um senhor aparentando uns 50 anos, que sofreu apenas lesões leves – alguns poucos arranhões –, depois do susto, levanta-se e, nervoso, começa a gritar e a insultar o jovem e infeliz condutor. Testemunhas que assistiram ao atropelamento se juntam no xingamento do rapaz.
Naquele momento, passava perto uma viatura da polícia militar que, imediatamente, aborda o jovem:
- Carteira e documento do carro.
O universitário, já nervoso, entrega os documentos. E o policial, com o boletim de acidente na prancheta, inicia o procedimento de lavratura do flagrante:
- Quer dizer que o senhor sem querer subiu a calçada e atropelou este senhor aqui, confirma?
- Um momento - pediu Legisnaldo, ainda dentro do carro.
Cuidadoso, o acadêmico de direito pega o seu vade-mecum e começa a estudar os dois tipos penais possíveis. Vai primeiramente ao Código de Trânsito (Lei nº 9.503/97):
"Art. 303. Praticar lesão corporal CULPOSA na direção de veículo automotor:
Penas - detenção, de SEIS MESES A DOIS ANOS e SUSPENSÃO ou proibição de se obter a permissão ou a HABILITAÇÃO para dirigir veículo automotor.
Parágrafo único. AUMENTA-SE a pena de UM TERÇO À METADE, se ocorrer qualquer das hipóteses do parágrafo único do artigo anterior.
Art. 302. (...)
Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente:
(...)
II - praticá-lo em faixa de pedestres ou NA CALÇADA;"
Depois, dá uma conferida no Código Penal, que versa sobre a lesão corporal leve dolosa:
"Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de 3 MESES A 1 ANO."
O guarda, já irritado com o rapaz que, ao invés de ajudá-lo na confecção do Boletim do Acidente, simplesmente abre um livro e começa a lê-lo, pergunta:
- E aí, vai responder agora ou quer que eu o leve algemado para a delegacia?
- Peraí, o senhor perguntou o que mesmo?
- Se você atropelou a vítima! - retrucou o irritado PM.
- Atropelei sim, MAS FOI POR QUERER, seu guarda. Põe aí, "FOI COM DOLO"! "FOI COM DOLO"!
Da Série Paradoxos Penais - II
Legisnaldo é um estudante de direito com propensões para o cometimento de crimes. Só tem um problema: anda sempre com um vade mecum embaixo do braço e, por isso, não raras vezes termina vendo frustradas as possibilidades de iniciar uma bem-sucedida carreira criminosa, da forma inicialmente pretendida.
Decidido a entrar no mundo da criminalidade, resolve ganhar um dinheirinho extra, vendendo talco adulterado com farinha e viu que era bem mais barato fugir da burocracia e deixar de pagar as taxas para o registro no órgão de vigilância sanitária.
Eis que o jovem estudante guia seu automóvel com uma encomenda de vinte frascos de talco. E o faz com o maior cuidado, já que havia atropelado um homem dias antes. Mas o trajeto mais próximo do primeiro e futuro cliente - um mercadinho de subúrbio -, passa logo pela “Cracolândia” da cidade.
Nervoso ao ver uma viatura da polícia que fazia ronda pelo local, o rapaz entra rapidamente numa via marginal, o que acaba despertando suspeitas. É perseguido e parado.
- Fora do carro, rapá! – grita um dos policiais de arma em punho.
Legisnaldo sai. É logo posto na parede e revistado.
Ao ver uns frascos com um pó branco dentro, um soldado alerta:
- Sargento, tem uns vidros com pó aqui dentro. – E entrega um dos frascos ao comandante da guarnição. O sargento então se aproxima e grita ao ouvido do universitário:
- O que tem aqui dentro deste vidro?
- É talco... responde Legisnaldo.
- Você aqui na Cracolândia com uns vidros cheios de pó branco e vem me dizer que são talco? É droga, rapá? Confessa logo! - Outros policiais se aproximam com cara de poucos amigos.
- Eu tenho como explicar, eu tenho como explicar! Mas antes preciso só ver uma coisinha – respondeu desesperadamente Legisnaldo. Como de costume, retirou debaixo da axila seu vade mecum. Foi olhar os tipos penais possíveis:
“Lei 11.343/2006:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, TRANSPORTAR, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer DROGAS, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (CINCO) A 15 (QUINZE) ANOS e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. (...)
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, AS PENAS PODERÃO SER REDUZIDAS DE UM SEXTO A DOIS TERÇOS, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.”
E depois foi conferir no Código Penal:
“Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais
Art. 273. Falsificar, corromper, ADULTERAR ou alterar PRODUTO DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS:
Pena - reclusão, de 10 (DEZ) A 15 (QUINZE) ANOS, e multa. (...)
§ 1º-B. Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:
I - SEM REGISTRO, QUANDO EXIGÍVEL, NO ÓRGÃO DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA COMPETENTE;”
O jovem estudante então engoliu a seco e respondeu:
- É cocaína, seu guarda. Não tenho dúvida. É COCAÍNA, e da cheirosa!
Da Série Paradoxos Penais - III
Milagrosamente livre do flagrante da prática do crime descrito no art. 273 do CP, o estudante de direito Legisnaldo por pouco não foi preso por desacato. Inicialmente, os policiais desconfiaram que ele fosse louco em se autoincriminar, mas diante do teste negativo com o reagente para cocaína, tiveram certeza de sua insanidade. Porém, para não ficar barato, deram-lhe um bom banho usando vários frascos do talco, antes de liberá-lo. Não perceberam, sequer, que aquele talco que trazia Legisnaldo era um produto adulterado destinado a fins terapêuticos, um crime hediondo.
Frustrado em sua tentativa de iniciar uma carreira criminosa, Legisnaldo finalmente aceitou o antigo convite do seu pai, um empresário de sucesso, para serem sócios numa grande fábrica de calçados. Contudo, logo encontrou um meio de realizar seus intentos criminosos:
- Pai, achei um ótimo atalho para incrementarmos os lucros da empresa. Esses empregados são uns manés. Olha só, todo mês temos que repassar para a Previdência Social cinquenta mil reais do INSS deles. Vamos embolsar uma parte desse dinheiro, pagar a prestação de um iate novo com a outra e, se um dia vierem cobrar, a gente deixa que botem na Justiça. Temos bons advogados, passarão anos na pendenga e depois, se for o caso, ou fazemos um acordo ou damos baixa nessa firma e abrimos outra!
- Esse meu filho é um empreendedor. Ele vai longe. Viva ao capitalismo! - exclamou o entusiasmado pai.
Meses se passaram, até que um dos empregados foi acidentado e descobriu que estava sem cobertura nenhuma da Seguridade Social graças à boa vontade de Legisnaldo e seu pai. Deu bode. A casa caiu. O Fisco e o INSS fizeram uma batida e constataram a apropriação indébita previdenciária, prendendo Legisnaldo em flagrante. Prejuízo ao Erário Público: trezentos mil reais.
Legisnaldo, algemado, entra na delegacia. Foi mandado a um xadrez lotado. Inventou que seu vade mecum era uma bíblia e entrou com ele na cela. Lá dentro, incrivelmente, descobriu que havia um homônimo seu preso por ter se apropriado de um televisor 14 polegadas do vizinho.
O pai - que não estava na empresa na hora da prisão -, logo que soube, acionou sua equipe de advogados. Poucas horas depois, chega um carcereiro diante da cela e pergunta:
- Quem é o preso aí de nome “Legisnaldo Penalício da Silva”?
- Sou eu! - Gritaram os dois jovens.
- É que um vai ser solto agora e o outro continuará preso, pois o juiz decretou a prisão preventiva. Bem, estou vendo aqui que são homônimos. Um é um síndico que se apropriou de um televisor emprestado pelo vizinho... e o outro um empresário que se apropriou de trezentos mil reais recolhidos dos empregados e não repassados à Previdência Social. Quem é cada um dos dois?
O pobre coitado que se apropriou do televisor berrava e se espremia enlouquecidamente nas grades da cela, jurando ser ele a pessoa que apenas se apropriou do aparelho usado do vizinho e que o que queria era, tão somente, assistir aos jogos do Flamengo. Enquanto isso, Legisnaldo rapidamente sacou seu vade mecum debaixo da axila e foi conferir.
- Um instante, por favor, seu guarda. Para responder eu preciso de um pouco de reza (abrindo o vade mecum).
Viu que em se tratando de apropriação indébita (art. 168, § 1º, do CP), mesmo que o televisor fosse restituído ao legítimo dono antes do recebimento da denúncia, seria condenado criminalmente. Teria apenas direito a uma diminuição da pena (art. 16 do CP). Após o recebimento, pior. Haveria, tão somente, uma atenuação (art. 65, III, b, do CP).
Viu também que em se tratando de empresário que se apropria do dinheiro do INSS dos seus empregados (art. 168-A, do CP), a lei exige uma representação fiscal, precedida da constituição do crédito tributário. E isso só poderia caber se não fosse possível o parcelamento do débito (art. 83 da lei 9.430/96). Tal peculiaridade tornara a prisão em flagrante de Legisnaldo ilegal. Viu também que o parcelamento poderia ser em até 15 anos (art. 1º da lei 11.941/2009) e que durante esse período sequer denúncia poderia ser oferecida (§§ 1º e 2º do art. 83 da lei 9.430/96) e, o melhor, extinguia-se a punibilidade quando o débito fosse todo pago (§ 4º, do art. 83).
Legisnaldo não pestanejou:
- Ei, seu agente! Não sei se o síndico bandido que ficou a televisão do vizinho é ele, mas o empresário sou eu!
Acompanhem as próximas aventuras de Legisnaldo no blog do autor (clique aqui).
Legisnaldo é um estudante de direito e está guiando seu carro. Imprudentemente, conversa ao telefone celular. Termina perdendo o controle do carro, subindo a calçada e atropelando um pedestre. A vítima, um senhor aparentando uns 50 anos, que sofreu apenas lesões leves – alguns poucos arranhões –, depois do susto, levanta-se e, nervoso, começa a gritar e a insultar o jovem e infeliz condutor. Testemunhas que assistiram ao atropelamento se juntam no xingamento do rapaz.
Naquele momento, passava perto uma viatura da polícia militar que, imediatamente, aborda o jovem:
- Carteira e documento do carro.
O universitário, já nervoso, entrega os documentos. E o policial, com o boletim de acidente na prancheta, inicia o procedimento de lavratura do flagrante:
- Quer dizer que o senhor sem querer subiu a calçada e atropelou este senhor aqui, confirma?
- Um momento - pediu Legisnaldo, ainda dentro do carro.
Cuidadoso, o acadêmico de direito pega o seu vade-mecum e começa a estudar os dois tipos penais possíveis. Vai primeiramente ao Código de Trânsito (Lei nº 9.503/97):
"Art. 303. Praticar lesão corporal CULPOSA na direção de veículo automotor:
Penas - detenção, de SEIS MESES A DOIS ANOS e SUSPENSÃO ou proibição de se obter a permissão ou a HABILITAÇÃO para dirigir veículo automotor.
Parágrafo único. AUMENTA-SE a pena de UM TERÇO À METADE, se ocorrer qualquer das hipóteses do parágrafo único do artigo anterior.
Art. 302. (...)
Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente:
(...)
II - praticá-lo em faixa de pedestres ou NA CALÇADA;"
Depois, dá uma conferida no Código Penal, que versa sobre a lesão corporal leve dolosa:
"Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de 3 MESES A 1 ANO."
O guarda, já irritado com o rapaz que, ao invés de ajudá-lo na confecção do Boletim do Acidente, simplesmente abre um livro e começa a lê-lo, pergunta:
- E aí, vai responder agora ou quer que eu o leve algemado para a delegacia?
- Peraí, o senhor perguntou o que mesmo?
- Se você atropelou a vítima! - retrucou o irritado PM.
- Atropelei sim, MAS FOI POR QUERER, seu guarda. Põe aí, "FOI COM DOLO"! "FOI COM DOLO"!
Da Série Paradoxos Penais - II
Legisnaldo é um estudante de direito com propensões para o cometimento de crimes. Só tem um problema: anda sempre com um vade mecum embaixo do braço e, por isso, não raras vezes termina vendo frustradas as possibilidades de iniciar uma bem-sucedida carreira criminosa, da forma inicialmente pretendida.
Decidido a entrar no mundo da criminalidade, resolve ganhar um dinheirinho extra, vendendo talco adulterado com farinha e viu que era bem mais barato fugir da burocracia e deixar de pagar as taxas para o registro no órgão de vigilância sanitária.
Eis que o jovem estudante guia seu automóvel com uma encomenda de vinte frascos de talco. E o faz com o maior cuidado, já que havia atropelado um homem dias antes. Mas o trajeto mais próximo do primeiro e futuro cliente - um mercadinho de subúrbio -, passa logo pela “Cracolândia” da cidade.
Nervoso ao ver uma viatura da polícia que fazia ronda pelo local, o rapaz entra rapidamente numa via marginal, o que acaba despertando suspeitas. É perseguido e parado.
- Fora do carro, rapá! – grita um dos policiais de arma em punho.
Legisnaldo sai. É logo posto na parede e revistado.
Ao ver uns frascos com um pó branco dentro, um soldado alerta:
- Sargento, tem uns vidros com pó aqui dentro. – E entrega um dos frascos ao comandante da guarnição. O sargento então se aproxima e grita ao ouvido do universitário:
- O que tem aqui dentro deste vidro?
- É talco... responde Legisnaldo.
- Você aqui na Cracolândia com uns vidros cheios de pó branco e vem me dizer que são talco? É droga, rapá? Confessa logo! - Outros policiais se aproximam com cara de poucos amigos.
- Eu tenho como explicar, eu tenho como explicar! Mas antes preciso só ver uma coisinha – respondeu desesperadamente Legisnaldo. Como de costume, retirou debaixo da axila seu vade mecum. Foi olhar os tipos penais possíveis:
“Lei 11.343/2006:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, TRANSPORTAR, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer DROGAS, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (CINCO) A 15 (QUINZE) ANOS e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. (...)
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, AS PENAS PODERÃO SER REDUZIDAS DE UM SEXTO A DOIS TERÇOS, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.”
E depois foi conferir no Código Penal:
“Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais
Art. 273. Falsificar, corromper, ADULTERAR ou alterar PRODUTO DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS:
Pena - reclusão, de 10 (DEZ) A 15 (QUINZE) ANOS, e multa. (...)
§ 1º-B. Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:
I - SEM REGISTRO, QUANDO EXIGÍVEL, NO ÓRGÃO DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA COMPETENTE;”
O jovem estudante então engoliu a seco e respondeu:
- É cocaína, seu guarda. Não tenho dúvida. É COCAÍNA, e da cheirosa!
Da Série Paradoxos Penais - III
Milagrosamente livre do flagrante da prática do crime descrito no art. 273 do CP, o estudante de direito Legisnaldo por pouco não foi preso por desacato. Inicialmente, os policiais desconfiaram que ele fosse louco em se autoincriminar, mas diante do teste negativo com o reagente para cocaína, tiveram certeza de sua insanidade. Porém, para não ficar barato, deram-lhe um bom banho usando vários frascos do talco, antes de liberá-lo. Não perceberam, sequer, que aquele talco que trazia Legisnaldo era um produto adulterado destinado a fins terapêuticos, um crime hediondo.
Frustrado em sua tentativa de iniciar uma carreira criminosa, Legisnaldo finalmente aceitou o antigo convite do seu pai, um empresário de sucesso, para serem sócios numa grande fábrica de calçados. Contudo, logo encontrou um meio de realizar seus intentos criminosos:
- Pai, achei um ótimo atalho para incrementarmos os lucros da empresa. Esses empregados são uns manés. Olha só, todo mês temos que repassar para a Previdência Social cinquenta mil reais do INSS deles. Vamos embolsar uma parte desse dinheiro, pagar a prestação de um iate novo com a outra e, se um dia vierem cobrar, a gente deixa que botem na Justiça. Temos bons advogados, passarão anos na pendenga e depois, se for o caso, ou fazemos um acordo ou damos baixa nessa firma e abrimos outra!
- Esse meu filho é um empreendedor. Ele vai longe. Viva ao capitalismo! - exclamou o entusiasmado pai.
Meses se passaram, até que um dos empregados foi acidentado e descobriu que estava sem cobertura nenhuma da Seguridade Social graças à boa vontade de Legisnaldo e seu pai. Deu bode. A casa caiu. O Fisco e o INSS fizeram uma batida e constataram a apropriação indébita previdenciária, prendendo Legisnaldo em flagrante. Prejuízo ao Erário Público: trezentos mil reais.
Legisnaldo, algemado, entra na delegacia. Foi mandado a um xadrez lotado. Inventou que seu vade mecum era uma bíblia e entrou com ele na cela. Lá dentro, incrivelmente, descobriu que havia um homônimo seu preso por ter se apropriado de um televisor 14 polegadas do vizinho.
O pai - que não estava na empresa na hora da prisão -, logo que soube, acionou sua equipe de advogados. Poucas horas depois, chega um carcereiro diante da cela e pergunta:
- Quem é o preso aí de nome “Legisnaldo Penalício da Silva”?
- Sou eu! - Gritaram os dois jovens.
- É que um vai ser solto agora e o outro continuará preso, pois o juiz decretou a prisão preventiva. Bem, estou vendo aqui que são homônimos. Um é um síndico que se apropriou de um televisor emprestado pelo vizinho... e o outro um empresário que se apropriou de trezentos mil reais recolhidos dos empregados e não repassados à Previdência Social. Quem é cada um dos dois?
O pobre coitado que se apropriou do televisor berrava e se espremia enlouquecidamente nas grades da cela, jurando ser ele a pessoa que apenas se apropriou do aparelho usado do vizinho e que o que queria era, tão somente, assistir aos jogos do Flamengo. Enquanto isso, Legisnaldo rapidamente sacou seu vade mecum debaixo da axila e foi conferir.
- Um instante, por favor, seu guarda. Para responder eu preciso de um pouco de reza (abrindo o vade mecum).
Viu que em se tratando de apropriação indébita (art. 168, § 1º, do CP), mesmo que o televisor fosse restituído ao legítimo dono antes do recebimento da denúncia, seria condenado criminalmente. Teria apenas direito a uma diminuição da pena (art. 16 do CP). Após o recebimento, pior. Haveria, tão somente, uma atenuação (art. 65, III, b, do CP).
Viu também que em se tratando de empresário que se apropria do dinheiro do INSS dos seus empregados (art. 168-A, do CP), a lei exige uma representação fiscal, precedida da constituição do crédito tributário. E isso só poderia caber se não fosse possível o parcelamento do débito (art. 83 da lei 9.430/96). Tal peculiaridade tornara a prisão em flagrante de Legisnaldo ilegal. Viu também que o parcelamento poderia ser em até 15 anos (art. 1º da lei 11.941/2009) e que durante esse período sequer denúncia poderia ser oferecida (§§ 1º e 2º do art. 83 da lei 9.430/96) e, o melhor, extinguia-se a punibilidade quando o débito fosse todo pago (§ 4º, do art. 83).
Legisnaldo não pestanejou:
- Ei, seu agente! Não sei se o síndico bandido que ficou a televisão do vizinho é ele, mas o empresário sou eu!
Acompanhem as próximas aventuras de Legisnaldo no blog do autor (clique aqui).
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