terça-feira, 13 de outubro de 2009

O defensor público como agente de transformação social

Diogo Ribeiro Ferreira, Servidor concursado, mestrando em Direito pela UFMG, especialista em Direito Público e em Direito Privado e professor


Hannah Arendt, citada por Mário Lúcio Quintão Soares, diz que “o primeiro direito, do qual derivam todos os demais, é o direito de ter direitos, os quais só podem ser exigidos através do total acesso à ordem jurídica que apenas a cidadania oferece”. Portanto, não pode ser desconsiderado o relatório técnico do Banco Mundial n. 32789-BR, segundo o qual o acesso ao judiciário no Brasil tem sido restrito, principalmente para os cidadãos mais pobres.
 
Nesse contexto, a Constituição da República de 1988, carinhosamente apelidada de “Constituição cidadã”, procurou traçar objetivos para o Brasil, dentre os quais se incluem o desenvolvimento nacional sem discriminações ou preconceitos para a construção de uma sociedade justa e fundada na cidadania, tudo nos termos dos seus artigos 1º, inciso II, e 3º, incisos II, III e IV. Além disso, a Constituição, em seu art. 5º, LXXIV, assegurou como direito e garantia fundamental, verbis: “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
 
Conquanto já existisse previamente à Constituição de 1988, a Lei 1.060/1950, que assegura justiça gratuita, não é suficiente para uma assistência jurídica integral, que depende de um órgão jurídico apto a defender os interesses jurídicos dos necessitados, conforme determinado pelo artigo 134, também da Constituição: “A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.”
 
De fato, a Lei 1.060 determina, em relação aos economicamente carentes, que a assistência judiciária compreenderá isenções de taxas judiciárias, selos, emolumentos, despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais e despesas com a realização do exame de código genético - DNA - , dentre outras, tudo nos termos de seu artigo 3º, o que embora seja de grande valia não implica em estruturar um órgão que tenha o dever de assistir precipuamente os hipossuficientes.
 
Apesar da divergência de pensamento acerca de quais garantias e prerrogativas deve se valer um defensor público para o exercício de seu mister (ou seja, se elas devem ser iguais ou diferentes das características e prerrogativas asseguradas aos magistrados e membros do Ministério Público), algo indiscutível é que a restrição do acesso à justiça para os necessitados corrobora a permanência destes nessa terrível condição. Ademais, o acesso à justiça também é direito fundamental insculpido no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição, que prevê que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
 
Em livro específico sobre o assunto, Cappelletti e Garth destacam que o acesso à justiça é fortemente obstado pelo elevado custo de um advogado particular, situação essa verificável em inúmeros países de diversos continentes do globo terrestre. Nesse sentido, os referidos autores fazem menção a três “ondas” de acesso à justiça, sendo a primeira delas a “assistência judiciária para os pobres”, tema no qual se insere inclusive o pressuposto da capacidade postulatória.
 
Mas, conforme constatado através de pesquisa mencionada na referida obra de Cappelletti e Garth, os advogados particulares que recebem do Estado para patrocinar os interesses dos necessitados geralmente são incapazes de assegurar as vantagens de quem possui uma estrutura organizacional, tampouco adquirem a vasta bagagem de experiência dos problemas típicos da classe mais pobre. Isso evidencia que o mero suprimento da capacidade postulatória não é suficiente.
 
Nesse diapasão, o defensor público pode ser considerado verdadeiro agente de transformação social, por levar a efeito a consecução dos fins colimados para a consolidação de um Estado Democrático de Direito, já que ele integra um órgão detentor de autonomia administrativa e funcional, é remunerado mediante subsídio e pode vir a litigar inclusive contra o próprio Poder Público que o remunera, tudo com vistas ao cumprimento da missão constitucional de assistência aos juridicamente desamparados.
 
 
REFERÊNCIAS: BANCO MUNDIAL. Relatório Técnico n. 32789-BR de 30-12-2004, p. 22. CAPPELLETI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1988, p. 40-41. SOARES, Mário Lúcio Quintão. Prefácio da Leg. aplic. à Defensoria Pública-MG. ADEP (Org.) BH: Del Rey, 20
 
Fonte: Hoje em dia.

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