segunda-feira, 14 de junho de 2010

Tribuna do Norte de 13/06/2010: "Judiciário gasta muito para punir os crimes de bagatela"

Hoje evangélico, o eletricista Gilvan Pereira confessa que roubou uma bicicleta para manter o vício em crack. Ficou 7 meses na cadeia




Hoje <br />evangélico, o eletricista Gilvan Pereira confessa que roubou uma <br />bicicleta para manter o vício em crack. Ficou 7 meses na cadeia
Errado confundir o crime de bagatela com o de menor potencial ofensivo. No primeiro caso, a ofensa ao bem jurídico foi ínfima, enquanto que no segundo, mesmo que o valor roubado seja pequeno provocou prejuízo no patrimônio da vítima.

Tanto faz para o nosso Código Penal, datado de 1940, se o réu furtou uma cebola ou uma dúzia delas. Cabe aos operadores do direito avaliar se é justo ou não utilizar a máquina estatal para aplicar a sanção que, muitas vezes, será bem maior que a própria ofensividade.

De acordo com o juiz titular do 1º Juizado Especial Criminal Central, Agenor Fernandes da Rocha Filho, a justiça começa na Delegacia.

Se o delegado instaura um inquérito policial que pode ser um crime de bagatela, encaminha para o Ministério Público, o representante do MP deve avaliar se manda o caso para o juiz por meio de denúncia ou se pede arquivamento do processo. “O problema é que durante esse tempo o réu está preso”.


Em regra, Agenor não tem aceitado casos de crimes de bagatela.   


Agenor afirma que a legislação é estática mas que o direito é dinâmico. “A lei perde a força diante do costume do povo”.

Exemplo do que o magistrado diz é o adultério, que há alguns anos deixou de ser crime tipificado na lei brasileira. “Quando começaram a trair, trair, trair, a lei perdeu a força”, diz o magistrado.

O juiz ainda recorda de alguns argumentos feito por advogados de réus presos com drogas que entram com pedidos de crime de bagatela. Mesmo que a quantidade do entorpecente seja pouca, o magistrado entende que  o réu deve ser punido. “O bem jurídico a ser protegido é a Segurança Pública”.       

Mas isso não acontece com o crime de menor potencial ofensivo que precisa ser apurado, mesmo que a subtração seja de algo de pequeno valor.

Entender como irrelevante, pode trazer à sociedade um grande risco - aquele de que furtar é permitido. O magistrado lembra que o desacato a autoridade policial na rua ou ofender uma pessoa no trânsito também são considerados crimes de menor potencial e que o Estado precisa intervir.  

Para defensor público, lei deveria ser maleável

Quem é que nunca ouviu a frase: “Decisão da Justiça não se questiona, se cumpre”.

Sendo assim, o que se pode ver no processo 20090051 05-9 é o uso exacerbado da máquina estatal.

Consta no processo que o réu Gilvan Pereira da Silva, eletricista de 29 anos, no dia 12 de outubro de 2008, por volta das 11 horas, na feira do bairro de Nova Natal subtraiu uma bicicleta que pertencia à Demário Paulino Gomes.

Gilvan foi preso, o inquérito policial aberto, remetido para o Ministério Público que ofereceu a denúncia   à justiça.

A bicicleta foi recuperada e entregue à vítima. E o processo continuou e ainda segue pelos corredores do Tribunal de Justiça do RN (TJ).

De acordo com o defensor público Manoel Sabino, que defende o acusado, em uma das audiências o representante do Ministério Público perguntou à vítima qual era o estado da bicicleta quando tinha sido roubada. A resposta chamou a atenção das autoridades: “A vítima disse que era bem usada e desgastada e que se fosse vender queria R$ 40”.

Sabino não sabe quanto tempo Gilvan ficou preso pelo furto avaliado em quatro notas de dez reais.

Julgado na 1ª instância, Gilvan foi condenado. Manoel Sabino recorreu ao TJ. Julgado na Câmara Criminal pelos desembargadores Amílcar Maia (relator para o acórdão), a juíza convocada Berenice Capuxu (voto vencido) e  por Maria Auxiliadora de Souza Alcântara foi mantida a sentença.

Sabino então utilizou o remédio jurídico embargos de infringentes e recorreu novamente ao TJ.

Hoje o processo tramita no  gabinete do desembargador Virgílio Macedo Júnior. “Agora todos os 15 desembargadores terão que votar. Mantida a decisão vou recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (corte que julga recursos especiais antes de  chegar ao STF) e, caso seja necessário ao Supremo Tribunal Federal (criado para cuidar da aplicação da Constituição Federal)”.

O defensor entende que casos como o de Gilvan deveriam ser processados no Juizado Especial, porém a lei não permite que isso ocorra.

A pena para o crime de furto é de até cinco anos de prisão e por isso é julgado na justiça comum. Para ser julgado no juizado especial, a pena do delito não pode ultrapassar dois anos, como ocorre no crime de pequeno potencial ofensivo. “O furto pode ser de um real ou de um milhão. É furto e pronto. É julgado na justiça comum”.

Sabino acredita que a lei deveria ser maleável e que furtos de até R$ 500 deveriam seguir para  juizado especial que julga crimes de menor potencial ofensivo.

Sete meses de cadeia por roubar uma bicicleta velha

Na rua estreita do Loteamento Jardim Progresso, zona Norte de Natal, em uma casinha simples com paredes pintadas de cor azul e janelas amarelas (cores já desgastadas pela ação do sol),  mora o eletricista Gilvan Pereira da Silva. Com pouco mais de 1,60 de altura, acima do peso e sem trabalhar por causa de um problema na perna, o ex-preso conta que do total da condenação de oito meses de reclusão pelo furto da  bicicleta cumpriu sete meses e 15 dias em uma das duas celas lotadas da 14ª Delegacia de Polícia do bairro de Felipe Camarão. Voltou para casa após receber o alvará de soltura. Questionado sobre o furto, ele assume: “Eu usava crack e pegava qualquer coisa para manter o vício. Hoje sou evangélico e não sou viciado em mais nada”.

Antes da prisão pela bicicleta, Gilvan já tinha “puxado” três anos de cadeia por ter se envolvido em uma briga e esfaqueado uma pessoa. Ele prefere não falar sobre o andamento do processo de furto na justiça.

Mas a vida que passou atrás das grades diz que foram momentos horríveis. Vivia em uma cela com mais nove presos amontoados. Brigas eram constantes, às vezes, por causa do calor, outras tantas devido a cinza do cigarro que caia no chão. “Quem está aqui fora e diz que se vira lá dentro é mentira. Em quatro paredes não dá para correr na hora de uma confusão”.

As experiências do passado não lhe trazem boas recordações, mas ele continua a viver. Passa o dia comendo, assistindo televisão e dormindo, outras vezes, inverte a regra que ele mesmo criou e a vida segue.

Geraldo Brilhante da Silva, 67, é pai do eletricista e está feliz pelo filho ter deixado as drogas. Evita problemas, segundo o aposentado.

O homem franzino lembra que passou muito desgosto com Gilvan na cadeia e que não tinha dinheiro para pagar um advogado. Há muitos anos a família formada por Geraldo, Gilvan, a neta (de Geraldo) e a bisneta sobrevive com um salário mínimo, hoje R$ 510. “O banco me toma de cara logo R$ 10, pago um empréstimo de R$ 60 e o que sobra a gente se vira”. E tem que se virar mesmo para a alimentação, a conta de luz e de água também”. Geraldo afirma que nunca passou a mão na cabeça do filho, mas que a justiça é injusta. “Não acho correto passar mais de sete meses preso por causa de R$ 40. Tem tanta gente que rouba milhões e fica por isso mesmo”.

Para o aposentado, apesar de tantas injustiças no país ainda vale a pena ser brasileiro. “Minha casa está toda enfeitada de bandeirinhas verdes e amarelas. É a Copa”, sorri.   

Bate-papo
Marcus Vinícius, juiz de Direito

Sob o princípio da insignificância, quantos casos deste tipo o senhor recebe por dia, semana, mês ou ano?
Poucos casos são recebidos. Um  a cada cinco ou seis meses. As próprias delegacias, em razão da falta de estrutura, terminam nem enviando esses casos à justiça.

Como o senhor se sente mandando para a prisão (caso isso tenha ocorrido) uma mãe ou um pai de família que roubou para saciar a fome dos filhos?
Nunca mandei para prisão um cidadão que praticou um crime de furto, por exemplo, de um pão ou coisa insignificante. Na verdade, o princípio da insignificância estabelece que os fatos, em tese, considerados delitos e que não atingem a sociedade de forma grave, não devem ser considerados materialmente crimes.

Se uma pessoa furta um objeto que não causou danos a bens e interesses sociais protegidos por lei, por que o acusado recebe condenação?
O direito penal deve ser utilizado como última forma de inibir uma determinada conduta, assim, se houve um furto (crime contra o patrimônio sem violência ou grave ameaça), de um desodorante ou mesmo de algo para comer, com valor ínfimo, não há necessidade de intervenção na esfera penal, pois o próprio direito civil, que garante a indenização, é o suficiente para reparar o dano causado. Contudo, em casos de crimes cometidos mediante violência ou mesmo tráfico de drogas, que ofendem a tranqüilidade da sociedade, mesmo que seja ínfimo o valor da coisa roubada ou a quantidade de drogas, deve haver a punição.

Pode dar exemplos de casos recentes?
Vários casos podem ser exemplificados. Um homem furtou uma melancia, foi preso em flagrante e denunciado pelo Ministério Público.

Eu, apliquei o princípio da insignificância no caso de uma mulher que colocou junto às compras que fez em um supermercado, um frango, tendo passado no caixa sem pagar. Não há necessidade de intervenção do Direito Penal. O supermercado deveria ter feito a cobrança do frango.

Que fique claro que o judiciário não está autorizando determinadas condutas. Se uma pessoa é “acostumada” a praticar furtos em supermercados isso é altamente reprovável e o acusado deve ser punido.
Resto do Post

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