sexta-feira, 15 de abril de 2011

Ilegalidade da utilização de histórico de adolescentes sem autorização

É comum no dia-a-dia de quem participa de audiências criminais e sessões do Tribunal do Júri: a certidão do e-SAJ traz todo o histórico do acusado, inclusive os processos de apuração de ato infracional de quando ele eraadolescente.

E  este histórico é explorado à exaustão, principalmente pela acusação, mas também pela defesa.

Nunca gostei muito desta fixação do operador do Direito pela reincidência. Em primeiro lugar, porque a culpa da reincidência é bem mais do incompetente Estado que do reeducando trancafiado e esquecido nas masmorras públicas. Em segundo lugar, pelo apego ao preconceituoso "direito penal do autor" em detrimento do mais objetivo "direito penal do fato". Na prática, se o acusado possui histórico de crime ou ato infracional, suas chances de ser condenado aumentam exponencialmente. E as chances da pessoa errada ser condenada aumentam na mesma proporção.

No entanto, com relação ao adolescente infrator a situação é ainda mais grave.

O crime e o ato infracional representam problemas distintos e, adequadamente, a lei estabelece princípios, regras e objetivos diferentes. Enquanto a pena visa reeducar, ressocializar, reformar (não é piada!) o apenado, as medidas socioeducativas visam orientar a formação do adolescente.

A formação do adolescente infrator normalmente é prejudicada pela ausência de um ou dos dois pais, desviada por péssimas e intensas amizades em substituição ao amor familiar e descarrilhada de vez pelo consumo de drogas.

Mas o fato é que, neste peculiar período da vida (adolescência) a chance de recondução ao rumo é significativamente maior.

Em outro sentido, mas por fundamentos semelhantes, é um tanto perverso utilizar para a condenação do acusado o histórico de quando ele ainda estava com sua personalidade em formação.

É justamente por isto que o ECA limita a divulgação de informações sobre atos infracionais, inclusive impedindo a utilização ou certificação destes dados sem prévia autorização do juízo da infância e adolescência, decisão esta a ser obtida pelas partes, através de requerimento fundamentando a excepcional necessidade da quebra o sigilo.

Trocando em miúdos: (a) em processo criminal ou sessão do Tribunal do Júri, é ilegal a presença de certidões referentes a atos infracionais, bem como a exploração pelas partes do histórico de adolescente de quem quer que seja; e (b) para a utilização do histórico, a parte interessada deve formalizar requerimento fundamentado ao juízo da infância e da adolescência, explicando a necessidade da quebra do sigilo.

Neste sentido:

ART. 143 ECA - E vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional

Parágrafo Único - Qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco e residência.

ART. 144 ECA - A expedição de cópia ou certidão de atos a que se refere o artigo anterior somente será deferida pela autoridade judiciária competente, se demonstrado o interesse e justificada a finalidade.

TJMG: 107200602797940011 MG 1.0720.06.027979-4/001(1) - Relator(a): JUDIMAR BIBER - Julgamento: 02/10/2007 - Publicação: 09/10/2007 - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - NULIDADE - PEDIDO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO EXISTENTE EM PROCESSO INFRACIONAL - INDEFERIMENTO - PREVISÃO DE SEGREDO DEDUZIDA NOS ARTS. 143 E 144 DO ECA - ÔNUS DA DEFESA - CONSTRANGIMENTO ILEGAL - IMPOSSIBILIDADE. Se é certo que o art. 241 do Código de Processo Penal autoriza a juntada de documentos em qualquer fase do processo, o mesmo dispositivo excepciona a vedação legal explícita, de modo que se impõe o indeferimento de pedido de exibição de documentos constantes de processo infracional contra menor, deduzido nos autos do processo criminal, porquanto o art. 143 c/c art. 144 do Estatuto da Criança e do Adolescente excepciona a competência do Juízo Criminal para deslindar o tema, impondo à defesa técnica o dever de obter a prova por pedido específico dentro do processo infracional, ali demonstrando o interesse e justificando a finalidade, o que afastaria alegação de cerceamento do direito de defesa pelo só indeferimento.