terça-feira, 6 de dezembro de 2011

150 dias no inferno

Muitos já devem ter lido esta história, já que ela foi amplamente divulgada no blog de Georgia Nery (aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui). Notem que o último post faz um reconhecimento à importância da instituição Defensoria Pública. Agradeço à excelente jornalista. O caso também repercutiu no Blog do BG (aqui) e outros (aqui, aqui e aqui).

Hoje uma matéria foi ao ar no Patrulha da Cidade (Tv Ponta Negra). Amanhã sairá uma matéria no Diário de Natal (que pode ser lida aqui). E ainda será veiculada uma longa entrevista sobre o assunto no RN Acontece (Band Natal), às 06:30h.

Eu estava esperando uma audiência começar quando um colega me pediu ajuda haja vista um choque de horários. Era uma audiência cuja acusação era tráfico de drogas e estavam arroladas seis testemunhas, além da acusada.

Quando cheguei na sala de audiências, encontrei quase uma dezena de pessoas - homens mulheres e crianças. A maioria estava chorando.

E eis que chega a acusada, conduzida por três agentes penitenciários, também aos prantos. Conduzida a passos firmes, algemada e oprimida, ela tinha apenas o olhar livre. E ela tentou usar este fiapo de liberdade olhando intensamente para cada um de seus familiares.

Foi assim que conheci Maria Elayne.

Dei uma olhada no processo. Vi que a Defensora Pública titular da Vara havia feito a defesa e arrolado testemunhas.

O pedido o relaxamento de prisão fora negado. Fiquei triste ao ver que a prisão preventiva já se arrastava há cinco meses, mas, infelizmente, este é o padrão em acusações de tráfico.

Ouvimos primeiro os policiais que prenderam Elayne. Ambos disseram que ela estava "no lugar errado, na hora errada". Eu quis entender melhor.

A Polícia foi acionada para uma ocorrência de agressão. Chegando no local, um popular indicou uma casa de esquina onde haveria tráfico de drogas. Chegaram reforços. A suposta proprietária do imóvel teria permitido a busca no local, mas se aproveitou de um descuido dos policiais para fugir. Droga foi encontrada, mas não havia ninguém para responsabilizar.

Neste ínterin, passava na rua Maria Elayne. Ela foi parada para prestar esclarecimentos (???). Ficou constatado que ela não morava no local onde foi encontrada a droga, mas em uma casa na rua lateral. Nada foi encontrada com a moça. Ninguém a acusou de tráfico. Ninguém a apontou como usuária.

Mas Maria Elayne foi presa em flagrante delito (???).

No Inquérito Policial já se via claramente que Maria Elayne nada tinha a ver com a droga. Mesmo assim, ela foi indiciada e denunciada. Sua denúncia foi recebida. Sua prisão mantida.

Durante seu tempo presa, Maria Elayne perdeu o ano de estudos. Perdeu o trabalho. Perdeu o contato com a família simples e carinhosa. Não podia ver sua criança. Maria Elayne perdeu a esperança e, por muito pouco, não perdeu a vida.

O desespero virou depressão. A morte lhe pareceu uma saída melhor do que continuar enfrentando o cárcere desumano e a acusação injusta. Uma gilete lhe pareceu o caminho. Maria Elayne cortou fundo os pulsos. As cicatrizes são bem visiveis.

O Estado lhe deve 150 dias de humilhação. Por pouco não lhe deve a sua vida.

Na audiência, com a confirmação da inocência de Maria Elayne, a emoção tomou conta de todos. Abaixo, além da sentença em rtf, os amigos podem conferir as emocionantes alegações finais do Ministério Público. Também consta a minha indignada manifestação final.

Vale observar que, embora absolvida antes do meio do dia de ontem, Maria Elayne só foi solta efetivamente hoje por volta das quatro horas. A burocracia estatal lhe garantiu o 150º dia de cárcere injusto.

Quanto custa cada dia da via crucis de Maria Elayne? Talvez nunca saibamos. Ela tem medo de ingressar com uma ação de indenização. Ela se recusa dar entrevistas. Ela quer apenas voltar à sua vida normal.

Mas como? Será possível passar 150 dias no inferno e voltar a viver plenamente?

Estamos na torcida...



Alegações finais do Ministério Público


Alegações finais de Defensoria Pública


Sentença (Clique aqui)

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