sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Uma tragédia que o Estado aumentou

Extremoz/RN. Alto-mar. Três irmãos e um amigo pescavam seu sustento. Genivaldo, João Maria e Leonardo nasceram em uma família humilde, mas honesta e trabalhadora.

Genivaldo é alcóolatra e ex usuário de "crack". O longo período de pesca marítima era uma boa oportunidade para ele se desintoxicar. No meio do oceano, começou a sentir os efeitos da abstinência.

Desde 23 de maio de 2010 Genivaldo já dizia estar vendo sua mulher e filho em uma canoa. Seus irmãos olharam, mas nada viram. Acharam que era brincadeira de Genivaldo.

Em determinado momento, em 16 de abril, Genivaldo afirmou estar vendo sua mulher se afogando. Ele tremia e chorava. Era um delírio, uma alucinação provocada pela abstinência. Mas Genivaldo não sabia disso. Ele pulou no mar. Seus irmãos partiram em seu socorro e evitam o pior. Para Genivaldo, no entanto, seus irmãos o impediram de salvar o amor de sua vida.

Pouco depois, Genivaldo viu novamente sua mulher se afogando. E também seu filho. Pulou no mar uma segunda vez. Mais uma vez foi salvo por seus irmãos. Mas não foi assim que ele viu as coisas.

Genivaldo pareceu se acalmar e seus irmãos retornam aos seus afazeres. Um foi tomar banho. O outro tratar dos peixes.

Com uma faca, Genivaldo investiu contra João Maria, que veio a falecer. Leonardo também foi atacado, mas caiu no mar e conseguiu sobreviver.

Em terra, Genivaldo foi preso e confessou, pouco sabendo explicar sobre o ocorrido.

Os fatos foram noticiados ao Ministério Público, que resolveu denunciá-lo por dois homicídios duplamente qualificados (motivo torpe e traição), um consumado e um tentado. Apesar de a denúncia descrever o alcoolismo e as alucinações, o Promotor não achou necessário requerer a abertura de incidente de insanidade mental.

O juiz recebeu a denúncia. Haja vista os fatos descritos na inicial acusatória, o magistrado poderia ter aberto o incidente de insanidade mental de ofício, mas também não o fez.

Dona Marlene tinha um filho para enterrar, outro hospitalizado e um terceiro preso. O que ela não tinha era dinheiro para contratar um advogado.

Em Extremoz não tem Defensor Público. O Estado do Rio Grande do Norte possui apenas 40 desses profissionais para seus quase 3 milhões e 200 mil habitantes. O juiz oficiou a sede da Defensoria Pública, que designou um Defensor Público de Natal/RN, Manuel Sabino.

Com o trâmite burocrático, a defesa de Genivaldo foi apresentada apenas em 30 de outubro. Ele já estava há mais de seis meses preso. Na mesma oportunidade, o Defensor Público pediu o relaxamento da prisão e a abertura do incidente de insanidade mental.

O juiz indeferiu a liberdade de Genivaldo, mas aceitou submetê-lo ao exame médico pericial. Mas o juiz preferiu não intimar a Defensoria de suas decisões. Assim, sem saber o que estava ocorrendo, a defesa não pode recorrer da decisão que manteve Genivaldo preso.

O tempo passou. Leonardo se recuperou. Genivaldo continuava preso.

No começo de 2011, sai o resultado da perícia de Genivaldo: absolutamente incapaz. Inimputável. "Delirium Tremens", diz o perito. O juiz manteve Genivaldo preso e marcou audiências. Mas não intimou a Defensoria de suas decisões.

A mãe de Genivaldo e o seu irmão, Leonardo, resolveram procurar o Defensor Público e informar o que estava acontecendo. Um amigo da família tirou cópias do processo e levou para o Defensor. Quando o Defensor Público ficou sabendo que Genivaldo ainda estava preso, já haviam se passado cerca de um ano e sete meses de sua prisão.

No último dia 24 de novembro, a Defensoria Pública pôde finalmente ingressar com um Habeas Corpus no Tribunal de Justiça. Além da imediata soltura de Genivaldo, o Defensor também pediu a nulidade das audiências realizadas sem sua intimação e a representação à Corregedoria para apurar a conduta do juiz.

No dia 25 de novembro, a  liminar foi negada pelo Relator.

O juiz foi intimado para apresentar informações e, no dia 06 de dezembro, resolveu libertar Genivaldo, reconhecendo que o estabelecimento prisional não é adequado para alguém ininputável e também observando que, passado tanto tempo da fase de Delirum Tremens, Genivaldo não mais oferece risco para a sociedade.

A família foi surpreendida com a chegada de Genivaldo.

A incerteza quanto ao futuro ainda paira sobre aquela humilde família, mas já sabemos o suficiente para perceber que a atuação do Estado apenas ampliou a tragédia que se abateu sobre ela.

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