domingo, 16 de setembro de 2012

Amigo em pé (primo pobre)


Em programas humorísticos da década de 1980, Paulo Gracindo e Brandão Filho consagraram o quadro “primo rico e primo pobre”, que visava a um só tempo fazer rir e criticar a gritante desigualdade social brasileira. Atualmente o quadro foi reconfigurado, trazendo Fernando Ceylão e Aramis Trindade em um metrô como “amigo sentado e amigo em pé”.

A realidade de penúria e falta de investimentos na Defensoria Pública, principalmente quando comparada com o Poder Judiciário e do Ministério Público, fizeram com que o órgão fosse conhecido como o “primo pobre” do aparelho Judiciário. Ou, modernizando a expressão, o Defensor Público seria o “amigo em pé”.

O magistrado “diz a lei”. O Ministério Público fala pela sociedade. O Defensor Público é a voz dos excluídos. Juntamente com a advocacia (pública e privada) estas nobres funções são consideradas pela Constituição Federal como essenciais à função jurisdicional do Estado. Em outras palavras: o Estado que falha em investir nestas instituições, fracassa na missão de distribuir Justiça.

Porém, diante do escândalo dos números que a seguir serão expostos, não há como se escapar da conclusão de que a Defensoria Pública e seu público alvo (a população carente) encontram-se cada vez mais distantes dos corações e mentes de nossos governantes.

O Estado do Rio Grande do Norte possui 166 Municípios organizados em 65 Comarcas. Para atender a demanda de 3.168.133 habitantes a legislação estadual prevê 315 cargos de Magistrados, 249 de membros do Ministério Público e apenas 102 de Defensores Públicos.

Todos os cargos de membros do Ministério Público encontram-se ocupados e ainda existem aprovados na última seleção aguardando o surgimento de vagas. Na Defensoria Pública, apenas 40 cargos estão preenchidos e não há orçamento para a realização de concurso público.

A Defensoria Pública encontra-se precariamente instalada em apenas oito comarcas: Natal, Parnamirim, Ceará-Mirim, Nova Cruz, Assú, Caicó, Mossoró e Pau dos Ferros. Não existe Defensoria Pública em 87,69% das Comarcas do Estado. Ao não investir em Defensoria Pública, o Governo nega assistência jurídica integral e gratuita de qualidade aos cidadãos necessitados de 142 Municípios.

O Ministério Público encontra-se instalado em 100% das comarcas, quase sempre com sede própria, amplo quadro de funcionários concursados e assistentes ministeriais. Para auxiliar os Defensores Públicos, existem cerca de 30 funcionários cedidos por outros órgãos e o mesmo número de estagiários.

Para se ter uma ideia mais clara da gritante desproporção, nas oito comarcas em que a Defensoria Pública está instalada, atuam 40 Defensores e 142 membros do Ministério Público (121 Promotores e 21 Procuradores de Justiça).

Entre inúmeras outras coisas, pode-se destacar que a insuficiência de Defensores Públicos é uma das causas do atual caos no Sistema Penitenciário. Por outro lado, iniciativas como o SUS Mediado, criado por uma Defensora Pública, tem o potencial de minimizar a calamidade pública em que se transformou a saúde.

Poder-se-ia imaginar que a situação de colapso iminente levaria o Governo do Estado a ampliar o investimento em Defensoria Pública como forma de reverter ou pelo menos minimizar a enorme disparidade. Mas não. Ao contrário. Investe-se cada vez menos no “amigo em pé”.

Em 2011, a Lei Orçamentária Anual previa R$ 517,236 milhões para o Tribunal de Justiça, R$ 197,462 milhões para o Ministério Público e R$ 13,588 milhões para a Defensoria Pública. Isto quer dizer que, para cada R$ 100,00 gastos com o aparelho judiciário, R$ 71,41 ficaram com o Tribunal de Justiça, R$ 26,75 com o Ministério Público e apenas R$ 1,84 com a Defensoria.

Em 2012, o orçamento do Tribunal de Justiça foi ampliado para R$ 741,9 milhões (+ R$ 224,664 milhões ou 43,44%), enquanto o Ministério Público ficou com R$ 232,3 milhões (+ R$ 34,838 milhões ou 17,64%). De forma nunca vista em todo o território nacional, a Defensoria Pública experimentou um decréscimo orçamentário, ficando com apenas R$ 10,5 milhões (- 22,14% do total). Assim, para cada R$ 100,00 gastos com o aparelho judiciário, R$ 75,34 ficaram com o Tribunal de Justiça, R$ 23,59 com o Ministério Público e apenas R$ 1,07 com a Defensoria. Não dá para comprar nem um cafezinho!

Segundo recente reportagem, para 2013, o Tribunal de Justiça deseja um orçamento R$ 145,6 milhões maior. O Governo admite aumentar cerca de R$ 70 milhões. O Ministério Público pleiteia mais R$ 34,7 milhões. O Governo aceita ampliar os recursos do órgão em cerca de R$ 20 milhões. Para a Defensoria, que queria R$ 10,3 milhões a mais (um orçamento total de R$ 20,8 milhões), o Governo acena com apenas mais R$ 2 milhões. Ou seja, a prevalecer a vontade do Governo, em 2013, o orçamento do Ministério Público vai crescer pelo menos algo parecido com o total de recursos de duas Defensorias, enquanto o Tribunal de Justiça vai ser turbinado com o que poderia sustentar quase sete Defensorias.

Mais uma vez é importante salientar que não se esta aqui a defender que o Ministério Público e o Tribunal de Justiça tenham seus pleitos rejeitados. Ao contrário. O cidadão sempre precisa de mais Justiça.

Todavia, não é admissível, que o Estado do Rio Grande do Norte invista na Defensoria Pública menos do que investiu, por exemplo, em propaganda no ano de 2011 (segundo recente relatório do Tribunal de Contas, cerca de R$ 16 milhões).

O que se espera é que a sofrida população carente do Rio Grande do Norte tenha direito à assistência jurídica integral e gratuita de qualidade. O que se deseja é que o Governo do Estado finalmente abra os olhos para os excluídos e passe a trabalhar para reduzir a discrepância histórica entre os órgãos integrantes do aparelho de Justiça.

Já chegou a hora do “primo pobre” ter direito a ter direitos. É tempo de o Estado do Rio Grande do Norte garantir dignidade ao “amigo em pé”.

Um comentário:

Anônimo disse...

veja as ações na DPE BAHIA

http://www.adepbahia.com.br/adep2011/noticia.php?id=7379