sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Baiacú na Vara II

Fiquei muito surpreso ao ver pessoas a quem respeito defendendo a ação de determinados Policiais Militares no já antes comentado episódio do "Baiacú na Vara". Não deveria ter ficado tão surpreso. A professora Flávia Piovesan foi cirúrgica ao escrever as seguintes linhas:

(...) passados mais de oito anos da adoção da Lei 9.455/97, o número de agentes condenados pela prática da tortura, no país inteiro, não chega sequer a 20. Na maioria significativa de casos, ainda se recorre aos tipos penais de lesão corporal ou constrangimento ilegal para punir a tortura (como no passado, quando inexistia a lei), em detrimento da efetiva aplicação da Lei 9.455/97. Pesquisa realizada pelo Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça aponta que, em 5 anos de vigência da lei, foram apresentadas 524 denúncias de tortura, sendo que, deste universo, somente 15 foram a julgamento e apenas 9 casos resultaram em condenação. Os números tão reduzidos refletem um verdadeiro sistema de filtragens sucessivas, que envolvem a seletividade operada pelos aparatos da segurança e da justiça, ao que se acresce o desafio de encorajar a apresentação de denúncias da prática de tortura pelas suas vítimas.

Diversamente da prática da tortura perpetrada durante o regime militar, que era orientada por critérios político-ideológicos, a prática da tortura, na era da democratização, orienta-se fundamentalmente por critérios econômico-sociais, com forte componente étnico-racial, na medida em que suas vítimas preferenciais, conforme relatórios das Ouvidoriais de Polícia, são os jovens, negros e pobres.

Seja no Brasil, Abu Ghraib ou Guantánamo, a prática da tortura se manterá na medida em que se assegurar a impunidade de seus agentes. Como já disse o então relator especial da ONU, Nigel Rodley, a tortura é um “crime de oportunidade”, que pressupõe a certeza da impunidade. O combate ao crime de tortura exige a adoção pelo Estado de medidas preventivas e repressivas, sob o atento monitoramento da sociedade civil. De um lado, é necessária a criação e manutenção de mecanismos que eliminem a “oportunidade” de torturar, garantindo a transparência do sistema prisional-penitenciário. Por outro lado, a luta contra a tortura impõe o fim da cultura de impunidade, demandando do Estado o rigor no dever de investigar, processar e punir os seus perpetradores, bem como de reparar a violação.

Enquanto persistir a tortura em dependência policial ou prisional e enquanto se tolerar que os condenados a pena privativa de liberdade devam ter uma pena adicional por meio de tortura, maus tratos e condições degradantes, os padrões democráticos e civilizatórios restarão fortemente comprometidos. Isto porque a tortura revela, sobretudo, a perversidade do Estado que, de guardião da legalidade e de direitos, converte-se em atroz violador da legalidade, ao afrontar o direito fundamental à integridade física e mental de toda e qualquer pessoa, lançando-se no marco da delinqüência, no brutal exercício da violência, que avilta a consciência ética contemporânea.

http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=2238

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