Um dos posts mais visitados deste blog é o “Novas
regras para a prisão cautelar e a antecipação de seus efeitos”, que
aborda as novas regras sobre a prisão após as modificações da Lei nº
12.403/2011.
Tentando sistematizar minha compreensão sobre a conversão do
flagrante em prisão preventiva, elaborei uma espécie de checklist, um passo a
passo que deve ser seguido, a meu ver, pelo juiz ao receber os autos de prisão
em flagrante.
Devido a alguns questionamentos de amigos, decidi fazer esta versão revista e ampliada do post “Sistematização da conversão em preventiva após a Lei 12.403/2011”.
Introdução.
Segundo o pensamento de
Jean-Jacques Rousseau em seu Do Contrato Social (1757), nenhum homem
possui poder natural sobre o outro. Na natureza, cada homem é portador de mais
absoluta liberdade. Mas, em busca de segurança e autopreservação, o homem
passou a viver em sociedade.
Em seu Do Espírito das Leis (1748), Montesquieu afirma que, quando os homens passaram a viver em sociedade
perderam o sentimento de sua própria fraqueza. Seduzida com a ilusão da força
dos números, cada sociedade passou a querer subjugar as outras, o que gerou um
estado de guerra entre as nações. Ao mesmo tempo, cada indivíduo, em cada
sociedade, começou a achar-se forte e a buscar algum tipo de vantagem de sua
sociedade, gerando um estado de guerra entre os membros da agremiação. Essas
espécies de guerra geraram a necessidade do estabelecimento de leis entre os
homens.
Pelo chamado contrato
social (Rousseau), cada indivíduo cede parte de sua liberdade à coletividade em
troca de segurança. Quanto mais segurança, menos liberdade. Quanto mais
liberdade, menos segurança. De acordo com Noberto Bobbio, “as sociedades são mais livres na medida em
que são menos justas e mais justas na medida em que são menos livres”.
Os bens mais caros a uma determinada sociedade são
protegidos através do Direito Penal, que estabelece condutas proibidas e
penalidades para quem desobedece estas regras. Para proteger o cidadão dos
excessos do Estado, surgiu o Direito Processual Penal.
Para Malatesta (A Lógica das Provas em
Matéria Criminal), enquanto o Direito Penal deve ser “a espada infalível para
golpear os delinqüentes”, o Direito Processual Penal, “sendo o braço que guia
com segurança aquela espada contra o peito dos réus, deve também ser o escudo
inviolável da inocência”.
De acordo com o Princípio da Liberdade Individual ou do
Estado de Necessidade, todo cidadão tem os direitos de ir, vir e permanecer.
A liberdade é a regra do Estado Democrático de Direito,
ensejando que qualquer restrição ou privação deve ser medida excepcional, que
só poderá ocorrer quando houver motivo, fundamento e necessidade.
Com a edição da Lei 12.403/2011, o legislador brasileiro
ressalta mais uma vez que a prisão cautelar antes do trânsito em julgado da
sentença condenatória deve ser uma exceção.
Para Nestor Távora e Rosmar Rodrigues, “a preventiva é
medida de exceção, devendo ser interpretada restritivamente, para
compatibilizá-la com o princípio da presunção de inocência (art. 5º, inciso
LVII da CF), afinal, o estigma do encarceramento cautelar é por demais
deletério à figura do infrator”.
Para Júlio Fabbrini Mirabete, “sabido que é um mal a prisão
do acusado antes do trânsito em julgado a sentença condenatória, o direito
objetivo tem procurado estabelecer institutos e medidas que assegurem o
desenvolvimento regular do processo com a presença do imputado sem o sacrifício
da custódia, que só deve ocorrer em casos de absoluta necessidade. Tenta-se
assim conciliar os interesses sociais, que exigem a aplicação e a execução da
pena ao autor do crime, e os do acusado, de não ser preso senão quando
considerado culpado por sentença condenatória transitada em julgado”.
A custódia cautelar, que
deveria ser a exceção, infelizmente é a regra em nosso país. Para se ter uma
ideia, segundo os dados do Ministério da Justiça (Infopen – dados de dezembro
de 2010), no Rio Grande do Norte, enquanto temos 1.451 pessoas cumprindo pena no regime fechado. Em contrapartida,
temos um total de 3.369 presos
provisórios (cerca de 70% do total de pessoas sujeitas às regras do regime
fechado).
Em matéria de prisão cautelar, aqui pretendemos nos focar
exclusivamente no procedimento que deve ser seguido pelo juiz na hora em que
recebe o auto de prisão em flagrante.
São cinco etapas
que, ultrapassadas de forma fundamentada pelo julgador, permitem a manutenção do
encarceramento cautelar do suspeito, indiciado ou acusado, convertendo-se o
flagrante em preventiva.
Vale observar que, falhando em ultrapassar fundamentadamente
qualquer das fases, deve o juiz liberar o acautelado, sem a necessidade de
analisar as demais.
Etapa 01: Licitude do
flagrante.
Esta é a primeira pergunta que o julgador deve responder: o
flagrante é lícito?
Diversas são as ilegalidades que podem ocorrer durante a
efetivação da prisão. Se os direitos do acautelado não foram a ele informados,
se houve invasão domiciliar ou se houve tortura, para ficarmos apenas com estes
exemplos, entendemos que estas violações aos direitos humanos pelo Estado
desautorizam a manutenção da custódia cautelar.
Mas, no mínimo, o julgador deve atentar para as hipóteses
legais em que é admitida a prisão em flagrante. O acusado tem que ter sido
preso enquanto o crime era cometido (flagrante próprio), logo após o
cometimento do crime e em situação que faça presumir que ele é o autor do fato
(flagrante impróprio) ou logo depois a infração ter ocorrido e na posse de
objetos que façam crer ser ele o autor do delito (flagrante presumido).
Fora dessas hipóteses, não há flagrante e a prisão é ilegal
(mesmo nos casos em que a lei expressamente admite a postergação do flagrante,
o fato é que a autoridade policial tem que ter presenciado o autor em alguma
daquelas situações, apenas adiando a detenção).
É necessária também a observância do cumprimento das
formalidades legais da prisão em flagrante, em especial no que se refere às
comunicações obrigatórias (ao juiz, à família e à Defensoria Pública). Não
realizadas as comunicações nos prazos legais, o flagrante deve ser relaxado.
Ultrapassada esta etapa, ou seja, sendo lícito o flagrante,
não é possível a manutenção da prisão cautelar apenas por isso, é necessário se
decidir pela sua conversão ou não em prisão preventiva.
Etapa 02: Admissibilidade
da Preventiva.
As regras do Código de Processo Penal que regulam a
conversão do flagrante em prisão preventiva estão um tanto desorganizadas. O
ideal é que se inicie pela análise dos requisitos que exigem menor cognição, e
é assim que preferi sistematizar meu entendimento.
O artigo 312 CPP estabelece as hipóteses em que poderá ser
decretada a prisão preventiva, desde que haja prova da materialidade e indícios
de autoria. Observe-se que, a análise do conteúdo probatório mínimo é anterior
à análise do enquadramento, ou não, nas hipóteses autorizadoras de preventiva.
O tema será mais explorado no próximo ponto.
A análise da possibilidade da conversão do flagrante em
prisão preventiva à luz do art. 313 do CPP deve ser anterior à verificação do
enquadramento nas hipóteses do art. 312 do CPP. É que naquele dispositivo estão
relacionadas situações em que, contrario
sensu do que está escrito, a prisão preventiva é inadmissível, impossível,
inaceitável.
A prisão preventiva, segundo o art. 313
do CPP[1],
só é admissível se: (a) a pena máxima cominada abstratamente for superior a 04
anos; (b) o acusado for reincidente em crime doloso com sentença transitada em
julgado; ou (c) o crime envolver violência doméstica e familiar.
Convém destacar que a norma visa minimizar um problema
recorrente no dia-a-dia do processo penal. Incontáveis vezes, principalmente
nos crimes de médio potencial ofensivo, após condenado, o réu primário acabava
por ficar submetido a regime de cumprimento da pena menos gravoso que aquele em
que ele esteve provisoriamente, quando ainda pairava a dúvida sobre sua culpa.
Saliente-se que a nova norma apenas minimiza o referido paradoxo,
não o fazendo desaparecer por completo. É que, mesmo em crimes cuja pena máxima
é superior a quatro anos, o mais provável é que a pena final seja fixada
próxima ao mínimo, o que implicaria em regime mais brando que o fechado.
Uma observação que deve ser feita é que basta que o acusado
seja reincidente em crime doloso, que a pena máxima abstratamente cominada seja
superior a 04 anos ou que o crime envolva violência doméstica para que a
preventiva seja admissível. Não é necessário o enquadramento em todas as
alíneas. Ademais, é uma análise objetiva, que não admite maiores ponderações.
Uma segunda observação é que, se a preventiva é
inadmissível, não há que se manter a prisão por qualquer outro motivo. Aqui
surge um problema da nova lei, uma situação que vem merecendo, com a devida
vênia, uma interpretação equivocada por parte da doutrina.
Trata-se das situações em que não constem nos autos
comprovantes da identidade civil do flagranteado. Têm-se entendido que, nestes
casos, mesmo que o caso não se enquadre nas hipóteses do caput do art. 313, CPP,
o flagrante deve ser convertido em preventiva. A norma estimula a confusão no parágrafo
único do próprio art. 313 CPP:
“Art. 313. (...). Parágrafo
único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida
sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos
suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em
liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção
da medida”.
Na verdade, a doutrina entendeu corretamente a vontade do
legislador. O que quer o CPP é exatamente que o flagranteado só seja libertado
se inteiramente identificado nos autos, mesmo que estejamos diante de situação
em que a preventiva é inadmissível. Ocorre que a vontade do legislador e a
compreensão da doutrina esbarram em algumas barreiras de ordem constitucional e
legal.
Inicialmente, a não identificação civil está e sempre esteve
contida na hipótese de garantia da aplicação da lei penal (art. 312, CPP).
Aliás, este sempre foi o motivo mais comum de negativa da liberdade. Não há
sentido em se observar a mesma circunstância em dois momentos distintos. Mas
passemos ao largo desta discussão.
Destaco que o dispositivo diz que a prisão preventiva será
admitida quando o flagranteado não fornecer elementos suficientes para
esclarecer sua identidade civil.
Ocorre que, estando o flagranteado preso, ele não tem como
diligenciar para providenciar sua identidade civil. Em consequência da exigência
impossível de ser atendida pelo próprio flagranteado, o Estado o pune com mais
prisão.
Poder-se-ia dizer que o flagranteado poderia pedir a um
familiar para trazer seus documentos a juízo. No entanto, a família do
flagranteado não tem esta obrigação, nem pode justificar a manutenção da prisão
de uma pessoa a leniência ou inimizade de outra.
Por outro lado, o flagranteado não pode ser punido, segundo
entendemos, nem mesmo se ele efetivamente não quiser entregar seus documentos.
É que ele não pode ser coagido a contribuir, de nenhuma forma, nem mesmo se
identificando corretamente, com a sua punição. Beccaria já alertava para este
absurdo:
“Outra contradição
entre as leis e os sentimentos naturais é exigir de um acusado o juramento de
dizer a verdade, quando ele tem o maior interesse em calá-la. Como se o homem
pudesse jurar de boa fé que vai contribuir para sua própria destruição!”
Mas, à parte de todos os argumentos acima, o fato é que a
correta identificação do suspeito é obrigação do Estado, mas especificamente da
Polícia durante o Inquérito Policial.
Neste sentido, diz o CPP (art. 6º, VIII) que, logo que tiver
conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policia deverá ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se
possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes.
Haja vista o que determina a Constituição Federal (art. 5º
LVII, CF)[2],
deve-se evitar a identificação criminal (fotográfica e datiloscópica) sempre
que possível a civil. Assim, deve a autoridade policial diligenciar em busca de
cumprir sua obrigação legal. E deve fazer isso assim que tiver conhecimento da
infração penal. Trata-se de providência primeira, inicial.
Se a identificação civil se mostrar impossível ou
insuficiente para sanar as dúvidas, deve o flagranteado ser encaminhado à
identificação criminal, que é regulada pela Lei 12.037/2009. A norma não
estabelece prazo para a realização da identificação criminal. No entanto, como
o CPP diz se tratar de providência primeira, presume-se que o suspeito deve
estar apropriadamente identificado antes do envio do Inquérito Policial ao
Poder Judiciário, ou, caso haja justificativa plausível para a não realização
da diligência, em prazo razoável.
Se não identificado pela autoridade policial, estamos diante
de hipótese de relaxamento de prisão. Assim, como justificar a conversão do
flagrante em preventiva? Inadmissível, ilegal, inconstitucional.
Solução interessante foi a encontrada pela magistrada
Marlúcia de Araújo Bezerra em decisão publicada no site da Associação de Juízes para a Democracia. A julgadora
determinou a soltura do acusado e determinou que a autoridade policial cumprisse
sua função e o identificasse corretamente[3].
Por fim, o CPP diz ser inadmissível a decretação da prisão
se o juiz verificar que existem provas demonstrando haver o suspeito agido com
base em exculpante (art. 314)[4].
Etapa 03: Existência
dos Pressupostos da Preventiva.
Para haver a decretação da preventiva, necessária a prova da
materialidade delitiva, bem como de indícios críveis da autoria.
Neste sentido, Nestor Távora e Rosmar Rodrigues são
contundentes: “para a decretação da preventiva é fundamental a demonstração de
prova da existência do crime, revelando a veemência da materialidade, e
indícios suficientes de autoria ou de participação na infração (art. 312,
caput, in fine, CPP)”.
Não há sentido em se manter uma prisão cautelar, por
exemplo, se o fato é atípico pela aplicação do princípio da insignificância, ou
se não houve a apreensão da arma de fogo no crime de porte. Detectadas estas
situações incorrigíveis, a preventiva não só não se justifica, como é
recomendado o trancamento da ação penal.
Mas o que a parte final do art. 312 deseja é que a prisão
preventiva não seja decretada se não existir nos autos conteúdo probatório mínimo
que justifica a persecução penal e a medida cautelar. Este conteúdo probatório
mínimo nada mais é que a condição da ação penal denominada justa causa. Claro
que, no caso de flagrante, aqui estaremos no início da investigação e mais
provas poderão ser compiladas. Não sendo corrigida a situação de insuficiência
de provas, o certo é que eventual denúncia não deverá ser aceita.
Etapa 04:
Enquadramento nas hipóteses da Preventiva.
Ultrapassadas as etapas anteriores, necessário observar se o
caso se enquadra nas hipóteses em que a lei recomenda a medida: (a) como
garantia da ordem pública ou da ordem econômica; (b) por conveniência da
instrução criminal, caso a liberdade do acusado cause concreto obstáculo à
elucidação dos fatos; ou (c) para assegurar a aplicação da lei penal, quando
houver dúvida sobre a identidade do acusado ou fundado risco de fuga (Art.
312 do CPP).
Nesta etapa, necessário se ter bastante cuidado para não
cair nas armadilhas da construção genérica da norma. Não existe acordo na
doutrina ou jurisprudência quanto ao que seria a tal “ordem pública”, por
exemplo.
Para Nestor Távora e Rosmar
Rodrigues[5], “em havendo risco demonstrado de que o infrator, se
solto permanecer, continuará delinquindo, é sinal de que a prisão cautelar se
faz necessária, pois não se pode esperar o trânsito em julgado da sentença
condenatória”. No entanto, como ressaltado pelos autores, “é necessário que se comprove este risco”.
A simples possibilidade de decretação da preventiva como
garantia da ordem pública é criticada. Aury Lopes Jr.[6]
salienta, inclusive, a expressão “futurologia perigosista” utilizada em decisão
proferida no HC 70006140693, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do
Sul, que foi relacionada à questão. Também Antônio Magalhães Gomes Filho[7]
tece críticas a essa hipótese de decretação da prisão preventiva, afirmando que
a aferição periculosidade do réu ocorre com base em um “juízo de
probabilidade”, bem como que antecedentes criminais e gravidade do delito “mais
revelam uma impressão pessoal do magistrado do que uma realidade assentada em
fatos concretos”.
Tourinho Filho[8]
também rechaça esta modalidade de preventiva, entendendo-a um rematado abuso de
autoridade:
“‘Perigosidade
do réu’, ‘os espalhafatos da mídia’, ‘reiteradas divulgações no rádio e
televisão’, tudo, absolutamente tudo, ajusta-se àquela expressão genérica ‘ordem
pública’. E a prisão preventiva, nesses casos, não passa de uma execução
sumária. O réu é condenado antes de ser julgado, uma vez que tais situações
nada têm de cautelar”.
“Quando se
decreta a prisão preventiva como ‘garantia de ordem pública’ o encarceramento
provisório não tem o menor caráter cautelar. É um rematado abuso de autoridade
e uma indisfarçável ofensa à nossa Lei Magna, mesmo porque a expressão ‘ordem
pública’ diz tudo e não diz nada’”.
Também não há sentido na prisão
para assegurar a “credibilidade da Justiça”. O argumento, saliente-se, serviria
para manter presa toda e qualquer pessoa acusada de crimes, mas suspeita-se que
a medida dificilmente serviria para melhorar a imagem do Poder Judiciário.
Nestor Távora e Rosmar Rodrigues[9] criticam este tipo de argumento:
“Nem se diga que a liberdade do infrator durante a persecução poderia
afetar a imagem da Justiça. Ora, o sentimento popular não pode pautar a atuação
judicial com repercussão tão gravosa na vida do agente. A política de ‘boa
vizinhança’ com a opinião pública ou com a imprensa não pode levar ao
descalabro de colocarmos em tábula rasa as garantias constitucionais, em prol
da falaciosa sensação de segurança que o encarceramento imprimiria. A imagem do
Judiciário deve ser preservada com a condução justa do processo, não cabendo ao
réu suportar este ônus com a sua liberdade”.
O fato é que o enquadramento em qualquer das hipóteses deve
ser fundamentada em fatos concretos e é inadmissível que o magistrado utilize
esta etapa para manifestar seu repúdio pessoal a qualquer tipo de crime.
Observe-se, ainda, que o CPP (art. 312, parágrafo único)[10]
prevê que, em sendo descumprida a medida cautelar, o magistrado poderá decretar
a prisão preventiva.
Etapa 05:
Insuficiência de Medida Cautelar ou Desnecessidade de Prisão Domiciliar.
Caso o flagrante seja lícito e, na situação concreta, além
de ser admitida a preventiva, estejam presentes os seus pressupostos e haja o
enquadramento nas hipóteses legais em que a medida é recomendada, a conversão
em prisão preventiva é possível.
No entanto, antes de converter a prisão em flagrante em
preventiva, o julgador deve verificar se não é suficiente a substituição por
uma medida cautelar ou se não é caso de aplicação da prisão domiciliar.
Poderá ser decretada medida cautelar em sua
substituição observando-se a: (a) necessidade para aplicação da lei penal, para
a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos,
para evitar a prática de infrações penais; e (b) adequação da medida à
gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou
acusado (art. 282 do CPP).
Eis as espécies de medidas cautelares:
"Art. 319 do CPP. São medidas cautelares diversas da
prisão: I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições
fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; II - proibição
de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias
relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses
locais para evitar o risco de novas infrações; III - proibição de manter
contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato,
deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV - proibição de
ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para
a investigação ou instrução; V - recolhimento domiciliar no período
noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e
trabalho fixos; VI - suspensão do exercício de função pública ou de
atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua
utilização para a prática de infrações penais; VII - internação provisória
do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça,
quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do
Código Penal) e houver risco de reiteração; VIII - fiança, nas infrações
que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a
obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem
judicial; IX - monitoração eletrônica".
O juiz deverá
substituir a preventiva por prisão domiciliar quando o agente
for: (a) maior de 80 (oitenta) anos; (b) extremamente debilitado por
motivo de doença grave; (c) imprescindível aos cuidados especiais de
pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; ou (d) gestante
a partir do 7o (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto
risco (art. 318 do CPP).
A conversão da prisão em flagrante em preventiva só deve
ocorrer se não for aplicável prisão domiciliar ou se não for suficiente a medida
cautelar.
Conclusão
Conclusão
Concluímos com Roger de Melo Rodrigues que, em seu A Cultura da Prisão, pontua:
"A eficiência e a celeridade da Justiça criminal não se medem por número de presos, mas sim por adequado número de funcionários, de Juízes, de Promotores, de Delegados e de Defensores Públicos, todos qualificados, fator este que deve ser aliado ao fornecimento pelo Estado de condições satisfatórias para o funcionamento e aprimoramento do aparelho estatal preventivo e repressivo ao crime".
"O criminoso encarcerado, em sistemas penitenciários como o nosso, tende a ocupar-se das mais diversas atividades, exceto da arte de meditar, pois o meio em que se acha lhe propicia tanta dor, humilhação e revolta que seu espírito naturalmente tende a preferir extravasar tais sentimentos por atos de vandalismo, ociosidade ou promiscuidade a dar asas a uma auto-avaliação crítica de sua conduta pretérita, objetivando sua reingresso social."
"O criminoso encarcerado, em sistemas penitenciários como o nosso, tende a ocupar-se das mais diversas atividades, exceto da arte de meditar, pois o meio em que se acha lhe propicia tanta dor, humilhação e revolta que seu espírito naturalmente tende a preferir extravasar tais sentimentos por atos de vandalismo, ociosidade ou promiscuidade a dar asas a uma auto-avaliação crítica de sua conduta pretérita, objetivando sua reingresso social."
"Na verdade, a prisão cuida-se de um artifício de origem imemorável, constituindo-se atualmente como um dos diversos meios para punir o criminoso, meio este a ser utilizado de forma restritíssima antes do trânsito em julgado do processo penal, afinal de contas, nossa Constituição Federal adota o princípio da não-culpabilidade, não se olvidando que mesmo após a sentença trânsita em julgado, a prisão deve ser evitada, priorizando-se a aplicação de medidas alternativas".
[1] Art. 313. Nos termos do art.
312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: I - nos
crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4
(quatro) anos; II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença
transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do
Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código
Penal; III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a
mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para
garantir a execução das medidas protetivas de urgência; IV -
(revogado).
[2] Art. 5º
(...) LVIII - o civilmente identificado não será submetido a identificação
criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei;
[3] “O acusado deverá ser
apresentado, pela autoridade administrativa responsável pela custódia,
ficando esta responsável também pela correta identificação do custodiado,
ao Oficial de Justiça encarregado da diligência de cumprimento do alvará de
soltura”.
[4] Art. 314. A prisão
preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas
constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições previstas nos
incisos I, II e III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no
2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.
[5] Curso
de Direito Processual Penal, pág. 551.
[6]
Direito Processual Penal, p. 204
[7]
Presunção de Inocência e Prisão Cautelar, p. 69.
[8]
Processo Penal, v III, p. 509/510.
[9] Curso
de Direito Processual Penal, pág. 552.
[10] Art. 312. (...) Parágrafo
único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de
descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas
cautelares (art. 282, § 4o).
Um comentário:
Boa tarde!
Excelente a postagem!!!
Rica em informações e extremamente fundamentada.
Parabéns.
Márcio Christie
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